Olá amigos!
Em nosso Curso Jung estudamos as Obras Completas de um dos maiores autores da psicologia, C. G. Jung, que ajudou na consolidação da psicanálise ao lado de Freud e, em seguida, seguiu seu próprio caminho teórico, criando a Psicologia Analítica. Além das Vídeo-Aulas em HD nas quais eu explico em detalhes os capítulos, temos o Grupo de Estudos, aonde todos podem fazer perguntas, compartilhar experiências ou levantar e ampliar formas de compreender o texto, a psicologia junguiana e áreas afins como a psicanálise, a psiquiatria, a psicologia em geral.
Uma das questões que surgiu no Curso 1 Estudos Psiquiátricos, foi a respeito do conceito de histeria. A histeria é um conceito fundamental para a psicanálise de Freud, mas e para Jung? Como Jung pensava a histeria? Podemos falar de uma teoria dele a respeito desta doença mental? É o que procuramos comentar neste texto, olhando através de uma visão panorâmica por vários volumes das Obras Completas.
A histeria para Jung
No primeiro volume das Obras Completas de Jung, Estudos Psiquiátricos, descobrimos que no início do século, concordando mais com a psiquiatria do que com a psicanálise, ele entendia que os transtornos mentais, as doenças psíquicas, são difíceis de se distinguir: “Os limites entre os quadros clínicos no campo da inferioridade psicopática são extremamente vagos e oscilantes” (JUNG, 2011, p. 123). Como encontrar critérios para separar as doenças mentais dos seus sintomas? E como encontrar o limiar que separa um sofrimento do outro?
Especificamente sobre a histeria, ele diz neste livro: “Talvez a maioria dos histéricos que frui plenamente de seus sentidos seja doente porque possui grande massa de recordações, dotada de muita emoção e, por isso, profundamente arraigada no inconsciente; já não pode ser controlada e tiraniza a consciência e a vontade do doente. Em mulheres trata-se às vezes de esperança frustada de amor ou de um casamento infeliz; em certos homens pode ser uma posição insatisfatória ou méritos não reconhecidos” (JUNG, 2011, p. 113).
À grosso modo, sabemos que Freud se especializou no tratamento das neuroses (embora tenha pesquisado e publicado à respeito das psicoses e perversões), enquanto Jung focou em pacientes psicóticos (apesar de ter tido centenas de pacientes neuróticos). Se nos lembrarmos dos livros em que Jung descreve em detalhes casos clínicos temos o Volume 3, Psicogênese das Doenças Mentais, dedicado à dementia praecox (depois esquizofrenia), bem como o livro Símbolos da Transformação – que marcaria seu rompimento definitivo com a a psicanálise em 1912 – tem por sub-título, poucas vezes mencionado, de Análise dos Prelúdios de uma esquizofrenia, veremos que ele tendia a falar mais das psicoses do que das neuroses.
A diferença entre a histeria (neurose) e a esquizofrenia (psicose), fica clara neste trecho do livro Estudos Alquímicos:
“O psiquiatra tem a tendência de acreditar em toxinas ou coisas parecidas, como sendo os motivos determinantes da esquizofrenia (cisão da mente, na psicose), desatendendo aos conteúdos psíquicos. Nas pertubações psicogênicas como a histeria, as neuroses compulsivas, etc., em relação às quais é impossível evocar os efeitos de toxinas ou a degeneração das células, a cisão espontânea dos complexos é comparada, por exemplo, aos estados do sonambulismo. Para Freud, essa cisão poderia ser explicada pela sexualidade reprimida. Tal explicação não é válida em todos os casos, porquanto a cisão pode desenvolver-se a partir de conteúdos espontâneos do inconsciente, que a consciência não pode assimilar. Nestes casos, a hipótese da repressão não é adequada. Ainda mais, sua autonomia pode ser estudada na vida cotidiana, nos afetos que, contra a nossa vontade e apesar das enérgicas tentativas de bloqueá-los, dominam o eu, mantendo-o sob o seu domínio. Não é, pios, de admirar-se que o primitivo veja nesses casos um estado de possessão ou perda da alma. Na linguagem comum dizemos: “Não sei o que hoje tomou conta dele”, ou “Ele parece estar possuído pelo demônio”, ou ainda: “Ele está fora de si”, etc. No âmbito da prática legal, nas situações passionais, (de afetos) é atribuída à pessoa envolvida apenas uma responsabilidade parcial. Os conteúdos anímicos autônomos fazem parte, portanto, de nossa experiência habitual, e têm ação desintegradora sobre a consciência”.
Refazendo a argumentação deste trecho, podemos perceber que Jung defende o ponto de vista segundo o qual a esquizofrenia teria uma causa biológica, química (toxina) ou neurológica (células do cérebro). Recentes descobertas da neurociência apontam que pacientes psicóticos tem células cerebrais que consomem mais oxigênio do que pessoas “normais”. Com isso, ficaria explicado os momentos de surto, de agitação, de fala desenfreada, alucinações auditivas e visuais, etc.
Continuando a argumentação do autor, podemos notar que ele pensa na histeria como tendo uma causa psicológica, quer dizer, uma causa psíquica, não física, não atribuível ao corpo. E esta causa relaciona-se com “partes da psique” que são inconscientes e se comportam como personalidades autônomas, ou seja, fora do alcance e do controle da consciência.
Fica mais claro se citarmos dois exemplos do livro A Natureza da Psique:
Primeiro: “Uma pessoa histericamente surda que costumava cantar. Um dia o médico sentou-se ao piano, sem que a paciente notasse, e se pôs a acompanhar o verso seguinte, em uma nova tonalidade. Imediatamente a paciente continuou a cantar na nova tonalidade” (JUNG, 1984, p. 80)
Segundo: “Uma de minhas pacientes histéricas, uma aristocrata que se considerava, sem razão, uma pessoa infinitamente distinta, encontrava, em seus sonhos, uma série de vendedoras de peixe imundas e prostitutas embriagadas. Nos casos extremos, as compensações se tornam de tal modo ameaçadores, que o medo e a angústia que elas suscitam, levam à insônia” (JUNG, 1984, p. 236)
No primeiro caso, notamos que a paciente era surda, não por problemas fisiológicos, mas em virtude de sua histeria. Ainda que uma parte de sua psique não ouvisse, outra podia ouvir, pois conseguira acompanhar a nova tonalidade tocada pelo médico no piano. No segundo caso, a paciente tem uma cisão na qual a sua consciência se identifica com sua classe social na realidade, enquanto que no inconsciente, todos os personagens são o oposto, a outra metade complementar.
Fiz questão de citar estes dois casos – poderia citar outros – para mostrar como a histeria pode se manifestar de modos diferentes (um no físico, outro no sintoma psíquico através de um sonho). Existem outros casos citados pelo autor ao longo de suas obras completas, porém a maior parte de seus escritos elabora sintomas e o desenrolar sintomático de pacientes psicóticos, como dissemos.
De um certo ponto de vista, todas as doenças mentais são passíveis de serem descritas como uma dissociação da psique total em partes separadas, partes que estão em conflito ou possuem tensão demasiada entre si. Logo depois do trecho citado acima, do segundo caso de histeria, Jung expressa este ponto de vista:
“Quase toda a sintomatologia da histeria, das neuroses compulsivas, das fobias e, em grande parte, também da dementia praecox ou esquizofrenia, a doença mental mais comum, tem suas raízes na atividade psíquica inconsciente. Por isto estamos autorizados a falar da existência de uma atividade psíquicas inconsciente” (JUNG, 1984, p. 81).
Enfim, se as doenças mentais apresentam traços em comum que em certos momentos tornam difícil de distinguir o limite de uma e de outra, como podemos saber a diferença entre quadros tão díspares como são os quadros de neurose e de psicose? Além disso, como podemos concluir este texto com a definição junguiana para histeria?
Bem, em primeiro lugar, a causa suposta da psicose (biológica) e da histeria (psicológica) é o primeiro indício. O fato de que na primeira as alucinações visuais e auditivas apareçam e sejam proeminentes, sem que o sujeito consiga distinguir a realidade da fantasia, também são critérios diagnósticos. E, embora Jung não tenha sido um especialista (digamos assim) em casos de neurose, podemos entender que a sua concepção de neurose diz respeito à partes da psique que estão em conflito com a consciência.
Para finalizar, podemos voltar ao Volume I, Estudos Psiquiátricos, e repensar a ideia do inconsciente (e de sua divisão em partes) do seguinte modo:
“Devemos lembrar-nos sempre de que a consciência só é uma parte da psique. Talvez a maior parte dos elementos psíquicos seja inconsciente… O inconsciente pode perceber e associar automaticamente, mas a qualidade de serem conhecidas só a possuem aquelas associações que uma vez passaram pela consciência e, mesmo dessas, muitas podem cair de tal modo no esquecimento que perdem aquela qualidade. Por isso nosso inconsciente deve albergar grande número de complexos psíquicos que nos surpreenderiam pelo seu caráter estranho” (JUNG, 2011, p. 111).
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