Há duas décadas, os pesquisadores da psicologia vem estudando as causas e formas de tratamento para o chamado vício ou dependência em internet. Alguns estudos apontam que a maioria das pessoas prefere fazer qualquer coisa – até levar um choque – do que ficar sem fazer nada. Neste texto, vou comentar sobre estes estudos.

Dependência em internet

Assim como o vício em uma droga como álcool, a dependência em internet apresenta características como descontrole no uso, abstinência, fissura. No momento, este tipo de vício não é considerado um transtorno pelo DSM-5. Entretanto, o fator essencial em todos os transtornos neste Manual Diagnóstico de Transtornos é o sofrimento clinicamente significativo, para si e/ou para os outros.

Em si mesma, a internet é neutra, é como qualquer meio de comunicação. Portanto, não é que a internet seja maléfica em si, mas a partir do uso e abuso que é feito da ferramenta danos podem vir como consequência.

Inicialmente, os estudos e tratamentos estavam relacionados ao acesso de sites específicos como sites adultos e de jogos e apostas. Mais recentemente, com o surgimento das lojas de aplicativos e as redes sociais, o problema tomou uma outra dimensão.

Sabemos que os aplicativos das redes sociais são intensamente desenvolvidos para gerar cada vez mais engajamento, ou seja, para que o usuário (um termo curiosamente utilizado no vício em drogas) fique cada vez mais tempo usando o App.

Fazer alguma coisa é melhor que não fazer nada ou refletir

Timothy Wilson, da Universidade da Virgínia, realizou diversos estudos mostrando que a maior parte das pessoas prefere fazer qualquer coisa – até tomar um choque – do que ficar sem fazer nada, deixando a mente divagar ou refletindo e pensando.

Os estudos, que foram feitos com pessoas entre 18 e 77 anos, mostram que essa tendência não é uma questão de uma geração específica. Esse “fazer nada”, esse tempo de instrospecção, não seria desejado pela maioria, que poderia explicar porque as pessoas não largam o celular nem para uma pausa de cinco minutos. Se largam, ligam a TV ou uma música, o que acaba sendo semelhante, nos objetivos dos estudos de Wilson.

No laboratório, Wilson pedia para os voluntários da pesquisa ficassem de 6 a 15 minutos, em uma sala sem decoração, sem celulares, TV ou revistas. Os participantes deviam simplesmente ficar ali, entretendo-se com os próprios pensamentos, sonhando acordado ou fazendo nada. Outra pesquisa pedia o mesmo, mudando o ambiente da pesquisa do laboratório para a casa.

Os resultados apontaram que a maioria dos participantes não gostou da experiência e prefeririam fazer outras atividades. Em casa, vários deles confessaram que não ficaram o tempo solicitado e acabavam realmente saindo do experimento e ligando a TV, uma música ou pegando o celular.

Talvez o dado mais curioso seja o do estudo de Wilson no qual, no laboratório, todos os participantes recebiam um choque no início do estudo, desconfortável o suficiente para que dissessem que pagariam para não levar um segundo choque. Porém, sozinhos depois na sala vazia, sem nada para fazer, 67 por cento dos homens e 25 por cento das mulheres deu um choque em si mesmo, simplesmente para fazer alguma coisa ali.

“O que é impressionante é que simplesmente ficar sozinho com seus próprios pensamentos por 15 minutos era aparentemente tão aversivo que levou muitos participantes a se auto-administrar um choque elétrico que eles haviam dito antes que pagariam para evitar.”

Wilson conclui: “A mente é projetada para se envolver com o mundo. Mesmo quando estamos sozinhos, nosso foco geralmente está no mundo exterior. E sem treinamento em meditação ou técnicas de controle do pensamento, que ainda são difíceis, a maioria das pessoas prefere se envolver em atividades externas.”

Estudos como os de Wilson trazem evidências de que o uso de celulares ou da internet de maneira excessiva encaixa com esta tendência de querer se engajar com algo. Antes as pessoas assistiam mais TV, hoje ficam no celular.

O uso problemático da internet e dos celulares

Ainda que possamos considerar esta tendência geral de querer se engajar com o mundo, socializar, ver, ouvir um conteúdo, encontramos pacientes que buscam ajuda para tratar o uso problemático que fazem destes dispositivos, a ponto de prejudicar a sua vida acadêmica, profissional e social.

Para estes casos, a psicologia desenvolveu formas de tratamento que tem se mostrado eficazes na mudança do comportamento. Os tratamentos podem ser feitos individualmente e/ou em grupo.

Conclusão

Atentar para o uso que fazemos destes dispositivos como celulares, tablets e computadores é um primeiro passo para entender se o uso tem se transformado em um problema em nossas vidas, mesmo que o problema seja ainda pequeno.

Por exemplo, entender quanto tempo do nosso dia e da semana passando em frente a essas telas pode indicar o quanto o uso pode estar se tornando excessivo.

Caso o uso tenha se transformado em um problema maior em sua vida, sugiro que você procure tratamento com um profissional da psicologia.

Recomendações de leitura:

Dependência de Internet – Manual e Guia de Avaliação e Tratamento

Dependência de internet em crianças e adolescentes 

Recomendo também tentar esta prática dos vídeos – Jejum de mídias: