Neste texto, vou compartilhar com vocês o que tenho aprendido sobre a Terapia Focada na Compaixão. A CFT foi criada por Paul Gilbert, a partir dos anos 80 como uma forma de responder a certas dificuldades que os pacientes apresentavam na clínica.
Desde que fiz a formação em Mindfulness pela Unifesp, Mente Aberta, em 2015, comecei a estudar o tema, especialmente a partir do trabalho da Kristin Neff. Mais recentemente, venho estudando o trabalho de Gilbert.
Terapia Focada na Compaixão e Terapias de Terceira Onda da TCC
A Terapia focada na Compaixão (Compassion-Focused Therapy, portanto CFT, em inglês) de Paul Gilbert é incluída nas chamadas terapias de terceira onda das Terapias Cognitivo-Comportamentais. Grosso modo, a primeira onda é a comportamental, a segunda onda, a cognitiva de Beck e Ellis.
No livro CFT Made Simple (ainda sem tradução) o autor situa a CFT:
“Eu penso que é justo dizer que a CFT se enquadra bem na ‘terceira onda’ das terapias cognitivo-comportamentais, ao lado da ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), DBT (Terapia Dialética Comportamental), Psicoterapia Analítico Funcional (FAP), Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness (MBCT), e Terapia Focada na Emoção (EFT).
Assim com estas terapias, nós nos baseamos em princípios comportamentais e nós não tentamos mudar o conteúdo de cognições e emoções problemáticas mas mudar a maneira como nos relacionamos com os estes conteúdos mentais (e ao mesmo tempo procurando formas mais salutares de pensar e agir). Assim como muitas destas abordagens, mindfulness (Atenção Plena) constitui um importante papel na CFT”.
Origens da Terapia Focada na Compaixão
Como disse acima, Gilbert – que havia tido uma formação anterior na terapia cognitivo comportamental – viu certas dificuldades quando utilizava esta abordagem. A principal dificuldades residia em que muitas vezes os pacientes conseguiam entender como certos pensdamentos e crenças afetavam a sua vida, conseguem disputar tais pensamentos (ou seja, questioná-los), só que eles não sentiam a mudança.
Em outras palavras, mudar apenas a cognição (em resumo, o pensamento) na opinião de Gilbert muitas vezes não significava que o paciente iria absorver esta mudança na maneira como se sentia.
Por exemplo, um paciente que tivesse a crença de que nada do que faz é bom o suficiente (ou adequado, ou perfeito, etc). Este paciente poderia aprender a questionar este pensamento, esta crença e substitui-la por uma raciocínio mais apropriada, como: “Muitas coisas que eu faço são boas. Às vezes erro, mas é natural, todo ser humano erra”. Esta substituição poderia trazer mudanças significativas, mas nem sempre.
Algumas pacientes, na visão de Gilbert, simplesmente não sentiam que era verdade pensar “Muitas coisas que eu faço são boas. Às vezes erro, mas é natural, todo ser humano erra”. É somo se soasse falso, como se o sentimento não acompanhasse a mudança da cognição. Um dos objetivos, portanto, era possibilitar com que os pacientes tivessem uma congruência entre o que sentem e pensam.
Por isso, Gilbert começou a investigar a compaixão.
Definição de Compaixão
“Uma definição geralmente aceita de compaixão é: sensitividade para o sofrimento combinada com motivação para aliviar (ou previnir) o sofrimento”.
No trabalho de Gilbert ficou evidente que muitos pacientes sofriam de uma auto-crítica severa, ou seja, passavam uma boa parte do tempo se criticando e se julgando. Muitos também apresentavam vergonha (shame) e aversão por si mesmos (self loathing).
A compaixão pelos outros e autocompaixão, por outro lado, modificam estes padrões antigos de auto-crítica e os substituem por uma capacidade de auto-acolhimento, de auto-gentileza que, ao mesmo tempo, permite uma maior congruência entre o que se pensa e o que se sente. O objetivo portanto não é só mudar a cognição, mas igualmente possibilitar que o paciente consiga também se sentir melhor com as mudanças em sua forma de pensar.
A diferença entre auto-crítica severa e auto-correção compassiva
Muitas pessoas acreditam que precisam se julgar com severidade para mudar ou que precisam ser duras consigo mesmas para não errar ou para se desenvolver. Junto com a comparação social, esta atitude de auto-crítica severa pode causar muitas dificuldades emocionais.
Se eu cometo um erro simples como esquecer de ligar para alguém – e a ligação era importante – eu posso depois do erro ficar me dizendo: “Como você é burro! É… eu tenho uma péssima memória… É! Você nunca vai conseguir melhorar isso. Tem que prestar mais atenção!…” e assim vai…
Qual é o objetivo dessa auto-crítica? Talvez seja não errar no futuro ou me proteger de que outra pessoa me critique ou fazer com que aprenda algo, seja não esquecer, seja ser mais atento…
O que muita gente não sabe é que é possível aprender a ter uma conversa interna mais compassiva, mais gentil. É o que chamamos de autocorreção compassiva. Posso cometer o mesmo erro e, ao invés de me julgar fortemente, posso pensar: “Nossa, esqueci… Enfim, todo mundo esquece alguma coisa às vezes… (O que eu diria para um amigo que fizesse a mesma coisa?) Relaxa… fique tranquilo… (O que posso fazer da próxima vez?) Hum… posso colocar um lembrete na agenda, acho que vai funcionar…”
Bem, este é um exemplo simples de como podemos aprender a mudar a voz interna, de uma voz cheia de julgamento e crítica para uma voz compassiva, gentil e amiga.
Conclusão
A Terapia Focada na Compaixão é uma possibilidade muito interessante que ficou mais conhecida recentemente e apresenta ideias inovadoras sobre como lidar com as emoções (falarei em outro texto sobre os 3 tipos básicos de emoções: aquelas que servem para nos proteger, aquelas que são ligadas a objetivos, e aquelas que nos acalmam – entre elas a compaixão).
A CFT também traz conhecimentos importantes da psicologia evolutiva e neurociências, juntamente com práticas de mindfulness e técnicas clássicas da TCC.
Dúvidas, sugestões, comentários, escreva abaixo.
Referência
KOLTS, Russel. CFT Made Simple. A Clinician’s Guide to Practicing Compassion-Focused Therapy. New Harbinger, 2016
Seus textos sempre ótimos
Obrigado!