Durante dois anos, entre 2008 e 2010, no meu mestrado, estudei o conceito de identidade narrativa. Se eu falo a palavra identidade, o que você pensa? Talvez você associe com a carteira de identidade, o RG. Talvez você pense em idêntico, o que é igual. Se você estudou psicologia, pode pensar em identificação.
Identidade narrativa, este incrível conceito do filósofo francês Paul Ricouer, é uma tentativa de resposta para a pergunta:
“Quem sou eu?”
Quando alguém pergunta, em uma entrevista de emprego, por exemplo:
“Felipe, então me conte, quem é você?” – a tendência será falar sobre o meu CV, sobre o meu currículo. Curriculum Vitae, como o que correu ou ocorreu na vida, neste caso, na minha vida profissional.
Seria uma resposta apropriada (para uma pergunta talvez não tão apropriada assim em uma entrevista). Fora dali, se eu procuro responder à pergunta, posso muitas vezes ficar perdido, sem saber o que responder. Às vezes, posso dizer meu nome.
“Quem sou eu?”
“Eu sou o Felipe”
Em uma cidade em que ainda as pessoas conhecem as famílias, posso dizer que sou Felipe de Souza, ou o Felipe, neto do Isaac.
Na internet posso certificar um site de que eu não sou um robô, posso responder dizendo que eu sou o usuário da conta @felipedesouzapsi
São possíveis diversas respostas simbólicas. Todas elas usam palavras para responder à pergunta. E as respostas, basicamente, são de dois tipos:
- Respostas mais fixas: um nome, um RG, um login, um sobrenome
- Respostas um pouco mais fluidas: como uma história que eu conto a partir do CV ou a minha história que eu conto para alguém em outro contexto social
O que você não sabe sobre si mesmo
Podemos passar a vida toda operando, funcionando socialmente, com estes dois tipos de resposta para a pergunta “quem sou eu”. Mas a identidade-idem como diz Ricouer, a identidade fixa de um nome, um lugar social (sou psicólogo) ou do corpo (sou esse corpo que você vê) e a identidade-ipse – a identidade que muda, que está localizada no tempo – os dois tipos de identidade, os dois tipos de resposta deixam passar o principal.
Na psicologia da ACT, Terapia de Aceitação e Compromisso, o principal, o que você não sabe sobre si mesmo é que o eu que você é, é o eu da consciência, o eu que observa, o eu que observou todas as coisas no passado, que observa o próprio corpo e os pensamentos, que observa um sonho e o acordar de um sonho, o eu que está consciente, lendo estas palavras…
O eu observador
O eu observador ou eu transcendente não se restringe a uma palavra ou a algumas poucas palavras. Não se restringe a um pensamento, pois é o que observa o pensamento. Não se restringe à história pessoal ou profissional, pois é o eu que observou toda a história pessoal e profissional até aqui e vai continuar observando.
O eu observador de hoje não é diferente do eu observador da semana passada assim como não é diferente do eu observador de dez anos atrás ou do eu observador que observou a infância. Nesse sentido, esse eu não envelhece…
Por que saber sobre o eu observador é importante
A identidade fixa e a identidade narrativa são úteis para funcionar no mundo. Um nome, Felipe de Souza, ajuda a identificar uma pessoa, um profissional. Dizer que vim de Minas, que fiz psicologia também ajuda o outro a ter uma referência.
O problema com este tipo de identidade é que tende a trazer inflexibilidade psicológica. Como se eu ficasse preso nestas palavras e me confundisse com as minhas histórias. Obviamente eu não sou uma palavra escrita ou falada. Obviamente eu não sou o que aconteceu no passado, minha história. Pois, se eu parar para pensar, aonde está a história agora? Eu estou aqui, mas onde está o que já passou?
A história passa e o eu observador continua. Sua característica é de permanecer, mas não de maneira fixa, inflexível. É de uma forma aberta, flexível, quase “sem forma”…
Para experimentar o eu observador, você pode fazer este breve exercício:
Leia as instruções:
Agora, no começo destas instruções, eu vou pedir pra você notar que você está lendo. Perceba estas palavras na tela. Claro que você não é estas palavras na tela, certo? Então, pense: “quem está notando as palavras na tela?” Apenas pergunte, mas não responda ainda. Fique consciente de que você continua lendo palavras na tela, estas palavras… são só palavras…
Deixe de lado as palavras, as palavras na tela, as palavras na mente, por alguns segundos…
O eu observador observa a pausa, a pausa sem palavras. Observa quando as palavras voltam, quando o pensamento – como uma voz na cabeça – volta. Observa o silêncio e o som. Observa a imagem escrita na tela e,se fechar os olhos, observa que não está vendo imagens externas. Se sonha, observa o sonho. Se acorda, sabe que está acordado.
Conclusão
O eu observador é um conceito muito importante dentro da Terapia de Aceitação e Compromisso. Mas não é só mais um conceito da psicologia. No consultório, através de exercícios práticos, os pacientes passam a ampliar a ideia do quem eu sou. Tendo consciência do eu observador, começam a ter uma visão muito mais ampla e flexível de quem são. É um dos fatores que ajuda na superação dos problemas, conflitos e dificuldades que enfrentam.
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Dúvidas, sugestões e críticas, deixe um comentário.
Sempre percebi a presença desse elemento psicológico chamado “Eu observador”. Só não sabia que era esse o seu nome, pois guarda muita semelhança com o ” Eu superior” trazido na obra de Napoleon Hill. Claro que , aqui, tem um enfoque muito voltado ao campo da ciência psicológica. Minha gratidão ao Professor Felipe de Souza por nos presentear com mais um conceito dos elementos da mente. Um abraço fraterno. Silvio Oliveira -Recife -PE.
Oi Silvio!
Não sabia que o Napoleon Hill usava Eu Superior. Sim, tem muitas outras formas que podemos usar esta ideia de Eu observador da ACT. O Eckhart Tolle chama de Self, Ser, Presença. Na espiritualidade, os nomes são muito variados dependendo da tradição também.
Grande Abraço!
amo seus textos felipe, amo psicologia, sou formada em direito e trabalho na área, mas tenho vontade de começar a cursar psicologia por prazer ♥ e seus textos me influenciam muito nessa decisão.
Oi Rafaela!
Obrigado! Fico muito feliz que goste ame os textos! :)
A gente sempre pode fazer uma outra graduação ou cursos menores por hobby. Pode ser interessante! Às vezes o hobby se transforma em uma outra opção de trabalho, mas não necessariamente.
Abraços