A procrastinação é uma daquelas palavras malditas. Ninguém quer procrastinar ou ser chamado de procrastinador. De fato, temos vários textos aqui no site que ajudam a diminuir essa tendência. Porém, existe uma forma de utilizá-la a seu favor. Saiba mais como.
O que é procrastinar?
Procrastinar significa deixar de fazer certas coisas, deixar para depois, para última hora, protelar. Como nenhuma pessoa consegue fazer todas as coisas que precisa ao mesmo tempo, é óbvio que todas as pessoas procrastinam. A diferença entre umas e outras é a capacidade talvez de entregar tudo no prazo, fazer com antecedência, e não sofrer em ir adiando até que o prazo final expire.
Se você como eu, se considera uma pessoa que procrastina nesse último sentido, saiba que de um problema ou dificuldade, você pode vir a ter um impulso a seu favor.
Como utilizar a procrastinação a seu favor
Eu não preciso escrever esse texto. Como disse no texto de ontem – Tenho que… retirando o peso – nós de fato não precisamos fazer nada. Mas nós valorizamos o fazer e vamos fazendo. Acontece que, enquanto estou escrevendo este texto, existe possivelmente mil coisas que são para ontem. Coisas importantíssimas e que dependem de mim, apenas. Eu sei disso. Porém, sabendo disso, eu escrevo este texto.
Se escrever este texto fosse a minha prioridade, como procrastinador, eu certamente deixaria o texto para depois e faria outra atividade menos importante. É um contrassenso, que, entretanto, é explicado pela tipologia de Rubin como o perfil rebelde.
O perfil rebelde
Na tipologia de Rubin sobre os tipos de produtividade, encontramos um perfil que ela chama de rebelde. É daquela pessoa que vai contra os ordens externas. Não adianta geralmente alguém mandar fazer. E detalhe: nem adianta a própria pessoa ordenar fazer. A rebeldia vai contra a ordem externa e interna.
Portanto, se eu sei que eu tenho uma lista como:
1) Mais importante
2) Segundo mais importante
3) Terceiro mais importante
A tendência como perfil rebelde é fazer outras coisas como cortar as unhas, arrumar os livros na estante, ouvir a nova música do Radiohead, dar uma volta para tomar café. Ou seja, farei toda e qualquer atividade – menos aquelas consideradas mais importantes.
Estruturando a procrastinação
Sabendo disso, a procrastinação pode ser utilizada a favor e não contra. Afinal, se eu tenho uma lista de afazeres de 30 itens, e começo a fazer outros itens que não os principais, note bem: eu estou fazendo!
E assim, começo a ver que eu não sou um sujeito vagabundo ou preguiçoso. Eu só tenho uma ordem de estruturar minha lista de tarefas que é diferente de outras pessoas. E tudo bem ser diferente.
Tudo bem viver procrastinando
Posso dizer isso com convicção porque vem da minha experiência. Trabalho como psicólogo clínico há onze anos, escrevi mais de 1000 textos aqui, mais de 300 vídeos em diversos cursos, um livro, terminei um doutorado e estou no pós-doutorado e faço dessa forma.
Aprendi centenas de técnicas de produtividade. Evidentemente muitas me ajudam a me organizar, a ter uma agenda, a priorizar, a delegar mas nada nunca fez tanto sentido nesse setor do que fazer as pazes com a minha procrastinação.
Paradoxalmente, se fico brigando comigo, diminuo a minha produtividade diminuindo a lista de coisas pra fazer. Só que ao diminuir a lista de coisas para fazer, ao invés de fazer as coisas mais prioritárias, acabar no prazo, fazer antes, eu faço menos.
Por isso prefiro criar mil projetos simultâneos, perder prazos, ficar um dia inteiro vendo Netflix sabendo que existem demandas importantes porque sei que no final das contas vou dar conta de tudo. Pode não ser estritamente no prazo. Ainda posso ficar angustiado às vezes, mas vai dar certo. Sempre deu.
A lógica aqui é o contrário do que priorizar. Se preciso terminar um artigo e vou dar uma volta na Paulista, ótimo. De lá posso ir num concerto ou no MASP. Não escrevi o artigo, mas terei feito outra coisa importante pra mim. Se ir no concerto fosse um acordo, interno ou externo, acabaria não fazendo. Portanto, mantenho a minha espontaneidade e liberdade, valores fundamentais para minha pessoa.
Ao aumentar a minha lista de afazeres, eu vou limpando com ordens de importância variadas. Só por capricho posso responder a uma entrevista de um jornal que não vai me render nada a não ser um post orgulhoso no facebook e deixar um email urgente aguardar mais meio dia. Não luto mais com minha própria rebeldia. Aprendi a gostar de ser desse jeito. No final sei que terei feito a entrevista e respondido o email. E, embora imprevistos aconteçam, a taxa de acerto é muito muito maior que os prejuízos. Continuo sendo produtivo. Me achando produtivo. E tendo espaço e tempo para criar conforme meu feeling no momento.
Conclusão
Pessoas que procrastinam são geralmente criticadas e se criticam. Buscar as causas da procrastinação pode ser interessante ao fazer terapia. De toda forma, muitas vezes a procrastinação parece ser muito mais um traço de personalidade – estável e portanto bastante permanente ao longo dos anos – do que um sintoma a ser extirpado.
Existe a perspectiva de lutar contra os nossos “pontos fracos”. E existe a perspectiva de focar nos nossos “pontos fortes”. A ideia de valorizar a procrastinação estruturada, de ter uma lista gigante e ir fazendo por ordens de importância sem lógica de prioridades, pode ajudar muito pessoas que se cobram demais.
É como aquele dia que você tem que terminar um trabalho de escola, da faculdade ou do escritório e começa a arrumar o quarto. Ou quando precisa comprar uma passagem aérea na internet e descobre uma curiosidade fantástica sobre a mumificação no Egito. Parece que você não fez o que precisava fazer. O x da questão é que você fez algo. Não de todo necessário ou mais relevante na sua lista, mas fez algo. Ponto positivo pra você!
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Sr. Professor Felipe de Souza,
não sei se este ponto também é uma vantagem de procrastinar, no entanto para mim funcionou.
Adiei, adiei várias coisas e… sabe? depois acabaram por não ser necessárias.
Adiei ainda outras coisas – o tempo me fez perceber que as tinha adiado porque ficaram a “maturar” e quando as fiz, saíram mais perfeitas devido ao tempo que demorei até as concretizar,
Adiei outras “sine die”, para quando… nem eu sabia. pensava nelas quase todos os dias, mas as adiei até àquele momento tão, mas tão oportuno que foram feitas e correu tudo bem.
Interessante estes aspectos também!
Oi! Felipe
Sou o perfil rebelde sempre desviando minhas tarefas. Tenho dificuldade de manter o foco no que estou fazendo. Aconteceu comigo o que tu cita na tua conclusão lembro eu tinha que terminar um trabalho da faculdade e fui arrumar o quarto. Minha graduação em psicologia foi no mês de setembro. Como a faculdade ocupava muito meu tempo eu adiei varias coisas, agora estou perdida e atarefada não sei por onde começar.
Com a conclusão da faculdade tenho mais tempo disponível e comecei a ler seus textos e ver seus videos são muito bons e esclarecedor esta me ajudando bastante em algumas duvidas.
Muito interessante esta perspectiva e me fez atrelar ao conceito da integração da sombra, por Jung.
Só que fiquei curiosa para saber mais sobre esta tipologia e não encontrei muito sobre o autor (Rubin o que?) . Poderia compartilhar sua referência?
Adoro seus textos ;)
Olá Thais!
Fico feliz que esteja gostando dos textos.
Ela chama Gretchen Rubin. Você encontra o teste para saber o tipo aqui –
https://blog.runrun.it/teste-motivacao-no-trabalho/
Olá!
Senti ao final do texto um alívio! Porque acho que quando adio alguma tarefa, no fim ela acaba bem melhor, é como se fosse “necessário” (para minha pessoa) não realizar na hora, dar um tempo para pensar sobre, e isso funciona para tarefas que precisam de reflexão, pois as tarefas mais “práticas” sempre faço na hora! Mas realmente senti um alívio, obrigada
Ahahahahhaa super me identifiquei com o “encontrar uma curiosidade fantástica de mumificação no Egito” durante algo importante que eu deveria estar fazendo. A internet me fascina! Mas ao mesmo tempo, durante essa procrastinação travestida de pesquisa para meu novo artigo, me deparei com o seu site! Procrastinação proveitosa efetuada com sucesso!
Gratidão! ;)
Isso é super verdade mesmo, eu não terminei de ler o texto mas concordo com o perfil rebelde, tipo eu acho importante anotar os sonhos pois eles me dão [davam pra ser mais sincero] ideias incríveis para as coisas da minha vida e quando eu comecei achar eles importante eu não consigo lembrar e toda vez que acordo fico com preguiça de levantar.
Eu achei importante, entrar todo dia em um joguinho digital aqui pra pegar um bonus de calendário, e cada dia eu entro menos nele.
Não sei se é coincidência e e.t.c ou se os meus viés de confirmação tao trabalhando agora, mas achei esse texto bem logico e certo.