Sarahah é um app e um site no qual criamos uma conta e passamos a receber comentários anônimos. A mensagem é simples: deixe uma mensagem construtiva :)
A ideia inicial era abrir um espaço de feedbacks construtivos no ambiente de trabalho. Por exemplo, talvez dizer para uma colega que o perfume dela é muito doce (como uma sugestão) ou elogiar a elegância ou inteligência ou a beleza. Como em uma caixa de sugestões em que você envia uma mensagem sem assinar.
A página inicial diz:
No trabalho
- Melhore seus pontos positivos
Com os amigos
- Melhore suas amizades descobrindo suas áreas que podem ser melhoradas
- Deixe seus amigos serem honestos contigo
Como gosto de conhecer todos esses aplicativos, criei o meu perfil esta semana. Está aberto, caso você também queira deixar uma mensagem por lá.
https://felipedesouzapsi.sarahah.com/
Experiências no Sarahah
A minha primeira impressão foi de que é divertido. Normalmente aprendemos que não devemos dizer certas coisas para certas pessoas em certos contextos. Se não formos identificados, porém, sentimos talvez mais liberdade de expor o que pensamos e sentimos.
Nesse sentido, achei divertido que tantas pessoas tenham enviado elogios profissionais e pessoais. É engraçado pensar como culturalmente nem elogios são expressos face a face.
Essa foi minha primeira impressão.
No dia seguinte, abri novamente minhas mensagens no Sarahah e tinha lá uma crítica. Ouvir essa crítica não me afetou porque não é verdade. Também não me afetou porque já venho tendo um longo treinamento de receber críticas no site e no canal no Youtube.
Entendo atualmente que uma crítica – negativa, destrutiva – é como diz Marshall Rosenberg “uma expressão trágica de uma necessidade não atendida”. Se consigo olhar qual é a necessidade por trás da crítica que recebo, consigo me conectar com a pessoa que está exprimindo a crítica.
Infelizmente, o Sarahah ainda não permite que eu responda à pessoa que enviou a mensagem. Portanto, essa tentativa de conexão com o outro que envia uma mensagem não-construtiva fica pela metade.
Necessidade de elogios e fuga de críticas
Sabemos que há algo muito instintivo, muito arcaico em nosso desejo de pertencer à um grupo, de ser aceito, de ser elogiado, de se conformar e se unir com as outras pessoas. Vivemos em grupos e é natural que tenhamos a necessidade de aceitação. Não é a toa que o facebook e instagram são viciantes para muita gente. Receber curtidas em nossas publicações é um sinal de que estamos sendo aceitos. E a minha primeira impressão do Sarahah de que foi divertido foi justamente porque só recebi feedbacks positivos.
Com minha formação em psicologia, o tempo de psicoterapia, incontáveis horas de estudo, aprendi a lidar com críticas. Uma preocupação que vi nas discussões sobre o Sarahah é de que a minha reação é rara. Ou seja, existem muitas pessoas que são vulneráveis ao recebimento de mensagens negativas e não só adolescentes.
O que pode nos trazer o questionamento de como lidamos com as críticas?
Uma crítica é apenas uma frase (falada ou escrita) de uma pessoa? Não existe razão para necessariamente acreditar na crítica, certo?
De igual modo (embora um elogio traga sentimentos positivos) não precisamos necessariamente nos comportar só para conseguir elogios. É muito importante passar a reconhecer o que queremos de fato e não só o que os outros querem que queiramos ou façamos.
Outra pergunta sobre o Sarahah consiste no porquê de ser preciso criar um site de comentários anônimos para que seja viável falar sinceramente o que pensamos e sentimos. Será que não temos espaço para sermos autênticos e sinceros? Uma mensagem sem um autor é uma mensagem honesta ou apenas a expressão de uma sombra raivosa?
E, ainda, suscita a questão de porquê virou uma febre. Qual é a necessidade (minha e das milhões de pessoas que criaram uma conta?). Me parece que existe curiosidade para saber o que pensam de nós. Talvez pudéssemos perguntar diretamente – o que seria uma estratégia provavelmente mais eficaz – mas sabendo das regras do convívio social sabemos que nem sempre é o caso de perguntar diretamente, e também ficamos com a dúvida se a pessoa quis agradar tão somente.
Do outro lado, também existe a necessidade de dizer. Expressar autenticamente o que há dentro é também uma necessidade humana universal. O que é curioso é que por trás há “quero dizer isso pra você mas não quero que você me identifique”. Razão pela qual soa mais como um desabafo, como uma confissão e muito pouco como uma real tentativa de conexão.
Respostas
Como disse no texto, senti muita vontade de responder cada uma das mensagens, mesmo que não pudesse identificar quem mandou. É estranho receber qualquer tipo de mensagem e não poder receber.
Esses dias uma pessoa comentou em um texto sobre CNV: “todos vocês são imbecis, não quero réplica nem tréplica” e assinou como anônimo. Eu exclui o comentário e o que pensei na hora lembra essa impressão que tive do Sarahah. A pessoa teve energia suficiente para escrever o comentário, mas não estava disposta a ouvir uma resposta.
No app existe a ideia de mais para frente permitir a resposta (sem que o mensageiro seja identificado).
Como lá não pude responder, gostaria de aproveitar aqui e responder algumas perguntas (pedidos de informação) que me foram feitas:
1) Percebi que você deixou o Jung de lado. Foi por causa de Mindfulness?
Tenho muitos interesses na psicologia. Cada fase estudo mais um autor ou abordagem. Como fiquei 4 anos no doutorado sobre Jung, dei uma pequena pausa. Agora vou fazer pós-doutorado sobre o Protocolo Mindfulness Based Relapse Prevention na Unifesp, Departamento de Psicobiologia.
2) Qual a sua opinião sobre Jung e corpo especialização?
Não sei se entendi direito a pergunta. Existem trabalhos incríveis que relacionam Jung ao corpo. Gosto do trabalho do Gaiarsa. Especialização com este tema desconheço.
3) Você não acha que Jung fica só nos símbolos e esquece a prática, tipo igual psicanálise interpretando sem parar?
Não. A produção do Jung é muito vasta e a prática clínica dele sempre foi individualizada. Um bom psicanalista não fica interpretando sem parar, rsrs.
4) Faz um Curso sobre Reich
Gostaria sim de no futuro fazer. Mas tenho que estudar muito mais para tanto.
5) Gostaria que você abordasse o tema Jung e gênero e sexualidade
Temos textos no site sobre já.
6) Qual pós você recomenda em Mindfulness?
Sugiro a do Mente Aberta, na Unifesp e a do Victor Friary.
7) Você atingiu o samadhi?
Existe um vídeo muito bom do Monge Gensho sobre Samadhi, Kensho, Satori no Youtube. Se for por esta definição (samadhi como profunda concentração), sim.
8) Por favor fale sobre constelação familiar
Não tenho muitos conhecimentos sobre.
9) Dá para unir Jung e Mindfulness? Imaginação ativa? Pós-doutorado?
Acredito que seja possível sim. Mas vou seguir um outro caminho no pós-doc.
Conclusão
As perguntas que coloquei são classificadas como pedido de informação. Não são elogios nem críticas. A conclusão que gostaria de deixar é sobre esses dois pontos:
- Como você lida com um elogio? (Você se autoelogia)?
- Como você lida com uma crítica (Você se autocritica)?
Adorei seu texto, me fez lembrar de um primeiro comentário que fiz em um de seus textos, em que a resposta que me deu foi como uma crítica que não foi bem recebida por mim, mas que que hoje entendo e aceito perfeitamente! Hoje após terapia e mais estudos sobre a psicologia tudo ficou bem mais fácil compreender e aplicar na minha vida! Principalmente as críticas, mesmo sem o aplicativo rsrsrsr. Um abraço!
Oi Cris,
Eu fiz uma crítica? rs
Abraços
Olá,
não gostaria de fazer parte dessa rede social. Aliás, nem essa nem de outra, pois acho que eu já sou muito julgadora de mim mesma. eu acho que eu mais me autocritico do que autoelogio. Gosto de fazer comparações, e isso por vezes estimulou a inveja em mim. Tenho tentado visualizar mais minhas qualidades e tento melhorar todos os dias, e estou muito feliz com os resultados, apesar de que ainda noto alguns resquícios de comparação e inveja.
Ótimo texto !!!