Quando eu era pequeno, gostava de contar piadas. Via os trapalhões e contava o que tinha visto na escola. Em algum momento, isso perdeu a graça pra mim e acabei virando um garoto mais sério. Certo dia, alguém contou uma piada para mim e eu disse “sacanagem isso” e a pessoa respondeu “mas toda piada é uma sacanagem com alguém”.
Existe esse debate sobre o limite do humor. Se contam uma piada sobre o mineirinho, posso até rir, sendo mineiro, porque talvez seja uma piada sobre um personagem fictício. Apesar de não ser fã deste tipo de coisa, pelo risco de criação de estereótipos (o mineiro, o judeu, a loira) esse tipo de comportamento não é prejudicial – além dos rótulos que cria – a não ser que alguém se ofenda.
O limite da liberdade é sempre a liberdade do outro. E aqui passamos de uma piada genérica para uma piada direcionada a alguém.
Zoação e bullying
Na verdade, creio que nunca consegui entender esse tipo de comportamento quando estava na escola. Qual é o sentido de zoar alguém? Sempre me pareceu uma “brincadeira ” de mal gosto que, no fundo, é extremamente agressiva e visa ferir. Zoar uma criança por sua orelha, por ser gordo, por ser magro, por ser o melhor da classe…
Há 20 e poucos anos não falávamos aqui em bullying. Aqui em Minas era zoar ou gozar (de gozação). Nos Estados Unidos a palavra bully significa valentão. Assim, e a realidade também por aqui confirma, em geral quem zoa é mais forte ou mais velho. É aquele que escolhe sua vítima pela fraqueza, no sentido de não poder reagir. O que demonstra a sua covardia – já que não seleciona alguém do seu tamanho nem muito menos alguém maior, mais velho ou mais forte.
E esse ponto é a chave para compreendermos que não se trata de uma brincadeira saudável. Como no imperativo categórico de Kant: uma ação é justa se todos podem praticá-la. Para o bully, é ok zoar os outros mas não é ok ser zoado. O humorista que zoa todo mundo geralmente não se sente confortável quando é a sua vez na roda (por mais que pareça tolerar).
Para deixar claro que é agressividade (e não alegria), cito uma passagem do livro Comportamento Verbal de Skinner:
“o humor preocupa-se com assuntos proibidos, particularmente com o sexo, e com o fato de ter efeitos aversivos sobre o ouvinte ou sobre os demais… É quase como se a comunidade tivesse condicionado: você pode ser agressivo desde que também seja divertido” (Skinner, P. 343-344).
Os efeitos da zoação e do bullying
Todos nós gostamos de ser elogiados. Como diz Mark Twain: “posso viver dois meses com um bom elogio”. Da mesma maneira, é difícil encontrar quem lide bem com críticas. Pode ser preciso muito treinamento e psicoterapia para conseguir separar os tipos de crítica e conviver bem com o que os outros pensam da gente.
E, claro, na infância e na adolescência uma crítica pode ser devastadora marcando a impressão de que há algo profundamente errado consigo. Como o garoto que disse, com 5 anos: “mãe, por que Papai do Céu fez eu tão orelhudo?” – vemos que a criança entendeu que há algo de errado com ela.
Pode ser a aparência física, talvez um traço de personalidade como ser mais quieto ou intelectual, talvez uma questão religiosa, enfim, a não aceitação por um grupo no qual é imposto a presença pode deixar marcas fortes de sofrimento.
A mudança
A mudança vem da conscientização do sofrimento e da orientação dos responsáveis em casa e na escola. Muitas pessoas argumentam que as crianças são cruéis e que é assim mesmo. Aqui a gente chega na questão da natureza humana: somos bons ou maus por natureza?
Se somos maus, como pensam alguns, é dever da sociedade ensinar. Se somos bons, significa que o ambiente ensina a maldade. Eu, particularmente, acredito que somos bons e vamos aprendendo a violência. É fácil ver isso quando, em um grupo de crianças pequenas, uma cai e se machuca e todos choram. Vendo video-cassetadas na TV e observando o comportamento das outras pessoas ao ver alguém caindo aprendemos a dar risada.
De toda forma, não chegaremos a um consenso sobre a natureza humana. Mas é fácil observar que podemos aprender a ter compaixão ou podemos aprender a sermos violentos. Não se trata de acabar com o humor, com a alegria ou com a liberdade de dizer, mas é preciso ver a que custo.
Qual é o sentido de rir com o sofrimento de outro ser humano?
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