Há um tempo atrás publiquei aqui no site o texto 10 sinais de que o profissional da psicologia não é bom e tivemos diversas respostas, criticando e elogiando o texto (que não foi de minha autoria). Mas nos comentários, vimos também a opinião não só de psicólogos como de pessoas que passaram ou estão passando pelo processo de psicoterapia sobre o que é uma boa ou uma má psicoterapia.
Esta questão “quais características que de fato ajudam, que de fato facilitam o crescimento?” está presente no capítulo – “Como poderei ajudar os outros” do livro de Carl Rogers, Tornar-se Pessoa.
Este livro, um best-seller, traz a história de Rogers, o resultado de suas pesquisas e de sua experiência durante décadas com a psicoterapia. Neste texto, vou comentar as respostas à pergunta sobre o que faz uma psicoterapia ser boa ou, melhor, o que faz ela ser útil e eficaz.
A atitude do terapeuta
Em um estudo conduzido por Heine, e citado por Rogers, pessoas que tinham passado por terapias com psicanalistas, rogerianos e adlerianos responderam sobre como havia sido. Eles “indicavam que os seguintes elementos atitudinais na relação com o terapeuta eram responsáveis pelas modificações nele verificadas:
1) a confiança que tinham sentido no terapeuta,
2) o fato de terem sido compreendidos por ele,
3) o sentimento de independência que tiveram ao fazer opções e tomar decisões”
Esta pesquisa também constatou o que era desfavorável em uma terapia:
4) “a falta de interesse, (portanto, é importante ter e demonstrar genuíno interesse)
5) uma atitude distante e que afastava ou uma simpatia excessiva, (portanto, adotar uma atitude equilibrada). Atitude que Fiedler, outro pesquisador, apontou como: “um interesse caloroso, sem uma excessiva implicação emocional”.
Fiedler também descreveu os seguintes fatores:
6) “a capacidade do terapeuta de compreender o que o cliente pretende significar e os seus sentimentos;
7) uma receptividade sensível do cliente” (ROGERS, p. 50-53).
Esses e outros estudos mostraram que a atitude de quem conduz a psicoterapia é mais importante do que a orientação teórica.
Comentários
Jung foi o primeiro a salientar a importância do psicanalista fazer análise – na época ele ainda estava trabalhando com Freud. Evidentemente, ter conhecimentos teóricos é fundamental para começar a atender. Porém, só o conhecimento intelectual não parece ser suficiente para ser um profissional que conduz com competência uma terapia. (Isso é percebido em faculdades de psicologia, onde encontramos excelentes professores cujo consultório fica vazio).
Em certo sentido, os elementos apontados por Rogers, a partir de outros estudos científicos e a partir de sua ampla experiência clínica, apontam que o central para a diminuição dos sintomas e/ou desenvolvimento pessoal – no que ele chama de relação de ajuda – é a própria relação entre o terapeuta e o paciente ou, como ele preferia, cliente.
“Entendo por relação de ajuda uma relação na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentamento” (ROGERS, p. 45).
7 características de um bom profissional na psicoterapia
O primeiro elemento, a confiança, é geralmente descrito na psicanálise como transferência (embora o conceito conjugue outras características). No processo de psicoterapia, o paciente é quem traz as suas questões, seus sentimentos e pensamentos mais profundos e, portanto, o básico – que é abrir-se para dizer – não acontecerá se não houver confiança.
E aqui entra não só a confiança no saber (o que Lacan chama de sujeito suposto saber) mas também a confiança na pessoa do profissional. Afinal, o profissional é uma pessoa e, apesar de que a sua história pessoal tenha que ficar de fora, a sua personalidade está presente. (Uma outra pesquisa indicou que a maioria dos profissionais já havia chorado dentro do consultório, se emocionando com o relato de quem estavam atendendo).
O segundo elemento, a compreensão, possui diversos aspectos. Se sentir compreendido significa sentir que fomos ouvidos, que o conteúdo do que dissemos foi assimilado e também validado. O espaço da clínica é um espaço que deve ser livre para se dizer e se expressar. E nada pior para isso do que se sentir julgado pelo outro (muitos terapeutas infelizmente julgam ou criticam ou diminuem o que o paciente está passando).
O terceiro elemento é a independência. A psicanálise critica a postura do terapeuta que se coloca no lugar do mestre, daquele que ensina e deve ser copiado e imitado. Nada pior, igualmente, para um processo de ajuda do que criar o sentimento de dependência ou criar um contexto no qual se perde a individualidade e autonomia.
O quarto item é demonstrar um genuíno interesse no outro. Alguns psicanalistas que não compreenderam bem a psicanálise acham que a análise é apenas ficar em silêncio e falar uhum de vez em quando. Mas se lermos de verdade Freud, em seus muitos relatos de caso, poderemos certamente sentir o seu profundo e real interesse pelo paciente e por sua melhora.
O quinto liga-se ao anterior na medida em que o interesse real funda-se em uma atitude equilibrada, nem distante excessivamente nem próxima em excesso.
O sexto ponto, embora aproxime-se do segundo, é diferente pois descreve o lado da capacidade do terapeuta de sair de si e ir de encontro à outra pessoa. Rogers escreve:
“Quando alguém exprime um sentimento, uma atitude ou opinião, nossa tendência é quase imediatamente sentir: ‘Está certo’, ‘que besteira’, ‘não é normal’, ‘não tem sentido’, ‘não está certo’, ‘não fica bem’. Raramente permitimos a nós mesmos compreender precisamente o que significa para essa pessoa o que ela está dizendo” (ROGERS, p. 21).
E, por fim, o último é a receptividade. Uma outra pesquisa publicada por Ends e Page comparou a orientação psicanalítica, a rogeriana e a comportamental. Os pesquisadores, da linha comportamental, apontaram nos resultados que a comportamental foi justamente a que menos apresentou resultados positivos. Rogers, contudo, novamente defendeu que não é o caso da terapia em si ser ineficaz, mas da atitude dos terapeutas ter sido muito pouco receptiva:
“Em toda a interação, o objetivo do terapeuta, tal como o formulavam os autores citados devia consistir em permanecer impessoal. O terapeuta ‘procura fazer com que a sua personalidade se manifeste o mínimo que for humanamente possível’. O terapeuta, nas suas atividades, ‘acentua o anonimato da sua personalidade; ou seja, deve evitar cuidadosamente influenciar o paciente com as qualidades individuais da sua própria personalidade’. Na minha opinião, é esta a explicação mais provável do fracasso desse método, quando procuro interpretar os fatos à luz de outras investigações. As atitudes que consistem em recusar-se como pessoa e em tratar o outro como um objeto não tem grandes probabilidades de servir alguma coisa”. (ROGERS, p. 55).
Conclusão
Assim como o outro texto publicado anteriormente sobre as características de um profissional incompetente na psicoterapia, o objetivo deste texto é iniciar um debate saudável sobre o tema. Evidentemente, não estamos em um ambiente acadêmico de pesquisas controladas, mas é importante abrir este espaço para que nós, enquanto profissionais, possamos refletir sobre a nossa prática (o que dá certo e o que não dá) e para que os pacientes possam entender que, se uma terapia não é bem sucedida, não é sinal de que todas as terapias serão.
Por fim, gostaria de lembrar aos queridos colegas que, por ventura, não sabem. O Conselho Federal de Psicologia possui um serviço excelente de Orientação para quando temos dúvidas sobre procedimentos, protocolos, laudos, etc. É só entrar em contato com o CRP da sua região para pegar os contatos.
Caro Felipe, um bom Psicólogo ou psicanalista deve conhecer e com profundidade disciplinas como neuroanatomia (para encaminhar pacientes com sintomas neurológicos de acordo com as leis fisiológicas do sistema nervoso); psicofarmacologia (para avaliar possível erro de conduta psiquiátrica que através de interações medicamentosas desaconselháveis possam levar o paciente ao óbito), psicopatologia descritiva (para avaliar os fenômenos da vida psíquica anormal), psiquiatria descritiva (CID, DSM) para interlocução com profissionais da psiquiatria, e; acima de tudo psicanálise (para uma leitura estrutural da personalidade do analisando e estabelecimento de diagnósticos confiáveis). Acredito que somando estas condições podemos qualificar o profissional como um bom e confiável Psicólogo.
Muito bom texto Felipe…. Concordo
O que qualifica um bom profissional está além do método e da orientação teórica (evidentemente que o domínio desses dois aspectos são fundamentais ), está principalmente na seriedade com que encara a profissão e a ciência, no cuidado com o paciente e na interação e reconhecimento de outros profissionas, está na abertura para o novo e na busca por aperfeiçoamento profissional, enfim a seriedade do profissional e sua atitude…
Olá Professor Felipe,sou enfermeiro e pretendo ser um psicólogo futuramente, por isso leio muito sobre o que você apresenta para nós. Eu li esse texto e também o 10 sinais de que o profissional da psicologia não é bom, e acho que o profissional deveria pedir um feedback do cliente depois de um número X de sessões.
Alex, isso pode ser feito em alguns casos sim. Em outros, o paciente para e retorna depois ou se comunica, às vezes até depois de anos, entendendo melhor o seu processo e agradecendo.
Sou admiradora do Carl Rogers e já baixei o livro que você indicou. Acredito que Jung colaborou muito para minha compreenção sobre o que você acabou de discutir, pois o mesmo, analisando o método de Freud e de Adler, concluiu que o bom resultado da terapia dependia da empatia que o paciente(cliente) sente com seu terapeuta e não a abordagem em si. O que mais admiro em Rogers é sua empatia e compreenção com seus pacientes. Adorei o texto Felipe e passei adiante para vários colegas.
Obrigado Gleides!
Pretendo logo mais criar alguns cursos em vídeo sobre Rogers também! :)
Olá professor Felipe,sou estudante de psicologia,tenho 56 anos,pretendo ser uma psicóloga futuramente.Leio cuidadosamente seus escritos por achar de rico saber.Não tenho recebido mais.Gostaria muito de continuar recebendo suas mensagens.Obrigada!
Olá Aparecida!
Obrigado! Voltaremos em breve.