“Eu tenho o problema X, tento mudar, mas não tenho conseguido… será que é possível melhorar sem fazer terapia?” – recebi esta pergunta por e-mail de uma querida leitora de nosso site. Neste texto, procurarei respondê-la. Já adianto que não existe uma única resposta certa.
Mudanças ao longo da vida
Se pudéssemos ver o desenrolar de uma vida humana em poucos segundos, veríamos o desenvolvimento do feto, o nascimento, o crescimento, o envelhecimento e a morte. Em uma visão tão rápida e distante, conseguiríamos observar que as mudanças ocorrem, digamos, naturalmente.
Uma pessoa com cinco anos tem um tipo de problema ou dificuldade, com quinze o problema é totalmente outro, assim como é com trinta e cinco ou oitenta e cinco.
Olhando a realidade desta forma, e com a ajuda da psicologia do desenvolvimento, percebemos que as mudanças ocorrem pelo passar dos anos, pelas transformações físicas, pelas modificações nos ambientes aos quais participamos. Estar em um asilo na terceira idade é diferente de estar em uma escola ou estar em uma faculdade ou em um trabalho.
E, evidentemente, todas estas transformações acontecem independentes de estarmos ou não fazendo terapia.
Mudanças nos sintomas
Gosto do trocadilho que Lacan faz de sintoma e sinto-mal. Em resumo, um sintoma psíquico é um sinto-mal, é sobre o que um paciente reclama e quer mudar. Outra forma de entender um sintoma é como um sofrimento (clinicamente significativo) que afeta áreas da vida como desempenho acadêmico, na escola ou faculdade, ou laboral (trabalho) ou afetivo e relacional.
Por exemplo, um dos transtornos mentais mais prevalentes – que mais pessoas apresentam – é a o chamado fobia social ou ansiedade social. Neste, há o sub-tipo de fobia de falar em público, que cerca de 50% da população diz ter.
Entao, poderíamos dizer que uma destas pessoas afirmaria que se sente-mal (sintoma) quando precisa falar em público na escola, faculdade, trabalho ou em uma reunião social.
Um outro exemplo de evitação aparece nos transtornos obsessivos (ou neurose obsessiva na psicanálise), quando os rituais ou pensamentos repetitivos procuram substituir pensamentos “negativos” ou que o sujeito acredita que não deveria ter.
Voltando à nossa pergunta, é possível mudar este sintoma ou outro sintoma sem fazer terapia?
Existem vários tipos de terapia. Como o nosso site aborda principalmente a psicologia, focamos nossa atenção mais na psicoterapia. Mas a terapia com medicamentos (prescritos por um médico ou psiquiatra), a terapia ocupacional, a fonoaudiologia também são tipos de terapia que podem ajudar na melhora dos sintomas. Inclusive exercícios físicos e Mindfulness podem igualmente contribuir com a melhora.
Conheça nosso site sobre Mindfulness
Além do tipo escolhido de terapia, continua a questão sobre a possibilidade de mudança de um sintoma sem nenhum tipo de intervenção.
No caso da fobia ou ansiedade social, o próprio esforço da pessoa em procurar mudar, em fazer cursos de oratória ou teatro, podem fazer com que os sintomas diminuam. Porém, o mais comum é a pessoa fugir do seu sintoma. E, ao evitar situações nas quais tenha que falar em público, o sintoma piora.
Tempos de tratamento
Uma outra questão que surge é sobre o tempo de tratamento. E, novamente, não existe uma única resposta, já que o tempo vai depender do tipo de sintoma, do tipo de demanda, de ter feito alguma coisa para mudar, da idade, da história individual e de outros aspectos, ainda.
Mas, podemos dizer que o tempo pode variar de uma única sessão a 150, 200 sessões ou até muito mais.
Por exemplo, já mencionei algumas vezes aqui no site que, quando tinha 17 anos e estava para escolher a faculdade para fazer o vestibular, fiz Orientação Profissional. Uma única sessão me ajudou a escolher.
Enquanto isso, podemos fazer terapias sem um foco totalmente específico, por dois ou três anos (uma média de uma sessão semanal por 3 anos daria algo em torno de 150 sessões). E muitas pessoas fazem análise por mais de uma década.
Quando digo não ter um foco específico, digo em dois sentidos:
- o objetivo inicial pode mudar com o tempo de um problema para outro;
- o objetivo principal é ter mais autoconsciência
Assim, devido ao fato de que os motivos para fazer terapia podem ser muito variados, da mesma forma como as pessoas são diferentes, o tempo pode variar de uma ou poucas sessões para centenas de sessões.
Também é importante salientar que, de acordo com o Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia, os profissionais não podem fazer previsão taxativa de resultados.
Conclusão
Para concluir, penso que seria interessante fazer uma analogia com doenças ou transtornos físicos. Digamos que uma pessoa nasça com bronquite. Com o desenvolvimento na infância e adolescência, sem nenhum tipo de intervenção, a bronquite pode cessar completamente. Ou seja, há uma melhora sem nenhuma forma de tratamento ou terapia.
Ou, digamos, que esta mesma pessoa quebre o braço. Dependendo do traumatismo, o braço também se reconstituirá sem que seja engessado. Contudo, será melhor se houver intervenção, para que seja feita uma avaliação detalhada e para que a direção dos ossos seja recolocada no lugar. Para o paciente, o próprio tratamento pode ser dolorido, mas não faz muito sentido evitar o tratamento já que a melhora posterior valerá muito a pena.
Analogamente, certos tipos de transtorno mental desaparecem com o tempo. Uma criança que tem medo do escuro não necessariamente será um adulto que terá medo do escuro. Entretanto, outros transtornos não só não apresentam remissão espontânea como podem se agravar com o passar dos anos. E, como um tratamento físico pode ser um pouco doloroso, uma terapia também – ao “mexer na ferida” – mas com benefícios futuros, ou seja, com a diminuição ou eliminação de sintomas, de “me sinto-mals”.
Gostei da forma como você redigiu, simples, claro de fácil entendimento, chegando a despertar mais curiosidade sobre o tema exposto.
Entendo que, conforme disse o Prof. Felipe de Souza é necessário adquirir autoconsciência, porém, esta é uma prática de reconstrução de valores e conceitos, que requer amadurecimento no ideal que se pretende, ou seja, estar bastante convicto de que quer e precisa fazer tal mudança, pois, lembrando oportunamente Clarice Lispector “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Obrigado Lucineide!
Verdade Ronaldo! Obrigado por comentar! :)
Gosto muito de seus textos, pois sou apaixonada por Psicologia, a forma pela qual seus assuntos são expostos, me faz cada vez mais acreditar nos profissionais dessa área.
Obrigado Germana!