“As artimanhas que usamos para escapar da aflição nos desviam de nossos objetivos de vida. E é por eles que vale a pena viver” (Steven Hayes).
Olá amigos!
Aqui no site já falamos algumas vezes sobre a ACT (Acceptance and Commitment Therapy), a Terapia da Aceitação e do Compromisso em textos sobre conceitos específicos, mas ainda não fizemos um texto geral sobre o que é a esta nova terapia e quais são os seus objetivos e a sua história. Este texto de hoje visa preencher esta lacuna.
O que é a ACT – Terapia da Aceitação de Compromisso?
Durante a década de 1980, Steven C. Hayes estudou a fundo a psicologia comportamental, especialmente os chamados comportamentos complexos, ou seja, o comportamento governado por regras e a equivalência de estímulos, bem como o que chamamos de pensamentos, sentimentos e sensações.
Em 1999, com Kelly Wilson e Kirk Strosahl, Hayes publicou o primeiro Manual da ACT: Acceptance and cometimento therapy: an experiential approach to behavior change, que podemos traduzir como: terapia de aceitação e compromisso: uma abordagem experiencial para a mudança comportamental.
Bases da ACT
Em virtude dos seus estudos dentro da psicologia comportamental, Hayes argumenta que devemos sempre pensar o comportamento tendo em vista o contexto no qual ele ocorre, o que é bastante parecido com a teoria behaviorista, mas com um adendo: o contexto não se refere apenas ao ambiente imediato, engloba também a história do indivíduo. Cada pessoa reage ao ambiente tendo em vista o contexto de sua história particular.
Além do contextualismo funcional, a ACT funda-se sobre o pragmatismo que defende o argumento de que a verdade é o que funciona, o que dá certo.
ACT e Psicopatologia
Existem diversos modelos de psicopatologia, modelos sobre os trastornos ou doenças mentais. A ACT busca descrever e mudar o que é o fundamento de toda psicopatologia, ou seja, o sofrimento (pathos). E, nesta abordagem, o sofrimento é sempre uma forma de inflexibilidade psicológica.
Em outras palavras, inflexibilidade psicológica é a diminuição da capacidade de ação, da capacidade de se comportar de maneiras variadas. Há, portanto, uma restrição comportamental.
Por exemplo, uma pessoa ao contar uma história para seus amigos é criticada. Devido à esta experiência dolorosa, ela associa o falar em um grupo como algo a ser evitado e, logo deixa de falar toda vez que encontra-se em grupo.
Há o contexto (o grupo) e a história (um momento de crítica) que leva ao sofrimento que poderia ser diagnosticado como uma fobia social. Ora, este sofrimento é um exemplo de inflexibilidade psicológica. A pessoa deixa de emitir um comportamento que gostaria de emitir. E cria-se um círculo de sofrimentos. Imagina que se falar, será de novo criticada. Por não falar, se critica. Por se criticar, sofre mais ainda e assim por diante.
Fusão cognitiva
Em outro texto, leia aqui, falamos sobre desfusão ou defusão cognitiva. A fusão cognitiva acontece quando os pensamentos são tomados como coisas reais, como verdades, como fatos. Retomando o exemplo acima, esta pessoa pode vir a pensar algo como “não sei dizer nada de interessante”, “ninguém se interessa por mim”, “todos devem estar pensando que eu sou um(a) imbecil”, etc.
Estes são pensamentos. Apenas pensamentos. Não se referem necessariamente à realidade, mas podem parecer que sim quando há a fusão cognitiva.
A inflexibilidade psicológica relaciona-se como a fusão cognitiva, mas também com outros fatores como evitar se expor a situações um pouco desagradáveis mas que permitiriam atingir os próprios objetivos, deixar de fazer algo porque “não se sente bem” ou porque atribui-se a causa do comportamento às emoções (dar razão) ou avaliações equivocadas, ou seja, relacionar eventos comparando-os e fixando uma única perspectiva (em geral negativa).
Hexágono da flexibilidade psicológica
Se a causa fundamental do sofrimento está na inflexibilidade psicológica, o grande objetivo da Terapia da Aceitação e Compromisso é, portanto, aumentar a flexibilidade psicológica, através de seis intervenções básicas, o hexágono da flexibilidade psicológica:
1) Momento presente
É curioso observar que não existem dois momentos que se repetem, certo? Cada momento é um momento único, irrepetível. Razão pela qual estamos sempre lidando com novidades, como novos fenômenos, novas pessoas, novos dias.
A observação do agora, do momento presente, permite entender que tudo é novo e que o que aconteceu há uma semana, um ano ou dez anos aconteceu lá e passou. O que vai acontecer daqui para frente não vai ser igual, aliás, pode ser totalmente diferente.
2) Aceitação
Não podemos controlar todas as nossas sensações e sentimentos. Quando queremos evitar sentir certas sensações e sentimentos, passamos a restringir o nosso comportamento. Uma vida significativa, na qual os valores pessoais são realizados, implica na vivência de sensações e sentimentos nem sempre agradáveis.
Na medida em que não podemos controlar o que se passa nesse nível da nossa experiência, temos que aceitar e focar a nossa atenção no que podemos fazer. Afinal, o comportamento não é determinado pelos sentimentos.
Uma pessoa pode sentir medo ou ansiedade e agir. Vivendo mais no presente e aceitando a presença de sensações físicas não muito agradáveis, veremos que as sensações são transitórias. Elas passam e por isso deixar de agir por não querer sentir um pouquinho isso ou aquilo vai limitar em muito o nosso campo de ações e os nossos resultados.
3) Valores
Falamos no tópico anterior em aceitação. O nome da terapia, terapia da aceitação e compromisso, envolve não só a aceitação e o momento presente como o compromisso com os nosso valores pessoais. Cada um de nós valoriza algo mais do que outro. A ACT possui diversas técnicas para que cada um possa descobrir os seus valores mais importantes e, portanto, encontrar o seu porquê, o que motiva a continuar indo em busca de seus objetivos.
4) Ações com compromisso
Claro que saber apenas o que valorizamos não é suficiente. Precisamos agir. Dai o acrônimo ACT (em inglês significa agir ou aja!). Tendo em vista os valores e objetivos, podemos então passar a agir de acordo com eles, com o compromisso conosco de alinhar os comportamentos com o que realmente queremos e valorizamos.
Não precisamos começar com algo grandioso. Apenas dando o próximo passo e o próximo passo na direção certa.
5) Desfusão cognitiva
A nossa mente é fantástica. Nos permite realizar milhões e milhões de ações. Entretanto, um dos mecanismos evolutivos, o de nos proteger de perigos, nem sempre é eficaz. Assim, pensamos o que pode acontecer de ruim, o que pode dar errado, desgraças e tragédias e tudo o mais. Isso não é algo antinatural ou psicopatológico em si. O mecanismo de luta e fuga está presente em todos nós.
A questão é não nos limitarmos por estes alarmes e alertas desse mecanismo, que na maior parte das vezes é exagerado. E podemos fazer isso nos separando dos pensamentos que temos. Um pensamento é só um pensamento, não é um fato, não é a verdade última.
Uma técnica simples é dizer para o pensamento: “Oi pensamento X – Obrigado pensamento e – tchau pensamento”. Ou seja, reconhecemos o conteúdo do pensamento. Agradecemos por nossa mente ter trazido este pensamento e nos despedimos dele, afinal, se é um pensamento que nos afasta dos nossos valores e objetivos, não será de utilidade.
6) Self como contexto
E, por fim, na ACT encontramos o conceito do Self como contexto. Quando nos afastamos dos pensamentos, percebemos que não somos o que pensamos. Somos a consciência, a observação do que está acontecendo agora: imagens externas, sons, sensações, emoções, pensamentos. Se fossemos nossos pensamentos, deixaríamos de existir nos segundos em que conseguimos ficar em silêncio…
Quem desejar estudar mais a fundo ACT, pode fazer o Curso do Russ Harris, online, neste link:
ACT – Training Online Made Simple (em inglês).
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Referência Bibliográfica
Capítulo: O que é Terapia de Aceitação e Compromisso. Autora: Michaele Terena Saban. Livro: Terapias Comportamentais de Terceira Geração. Guia para profissionais. Editora Sinopsys.