“Eu mudo, mas dentro de uma permanência” (Sartre)
Olá amigos!
Este mês comecei a testar o Scribd, que dizem ser uma espécie de Netflix para livros. Até agora estou gostando da experiência, especialmente porque estou descobrindo livros que não conhecia de autores conhecidos. Nesse sentido, o sistema de indicação de livros relacionados parece mais eficaz que a Amazon.
Hoje comecei a ler um livro de um dos criadores do chamada Psicologia Positiva, Martin Seligman. O livro tem por título: What you can change… and What you Can´t, traduzido em português como O Que Voce Pode e o Que Não Pode Mudar. Neste texto, utilizarei o livro de Seligman para falar sobre os limites da psicoterapia.
Psicoterapia e panaceia
Quem fez ou faz psicologia, fez ou faz psicoterapia ou análise, e conhece os benefícios talvez caia no erro de acreditar que se trata de uma panaceia. Na mitologia grega, encontramos a Panaceia, a deusa da cura. Hoje em dia utilizamos o seu nome para designar qualquer coisa que é tido como milagroso para curar qualquer problema, um remédio para todos os males.
É importante que fique claro que a psicoterapia, assim como a farmacologia (o tratamento psiquiátrico é na maior parte das vezes medicamentoso), que um tratamento para um certo tipo de transtorno psicológico pode dar resultados muito positivos.
De acordo com Seligman, a terapia cognitivo-comportamental – talvez a mais estudada em termos de eficácia – e/ou a terapia com medicamentos psiquiátricos consegue atingir, no máximo, 65% de eficácia. Apesar de estar um pouco longe dos 100% e ser, portanto, realmente uma panaceia, o número pode ser interpretado como maravilhoso ou como decepção. É aquela história do copo estar meio cheio ou meio vazio. Otimistas dirão que 65% é excelente e pessimistas pensarão nos outros 35% que não terão resultados.
O mais surpreendente, e nisso concordo plenamente com Seligman, é que na comparação com tratamentos placebo, o resultado é apenas e tão somente um pouco inferior. Com placebo, a percepção de melhora chega em certas pesquisas a 45% e em outras chega a 55%. Ou seja, 10 a 20% abaixo, somente.
O que interpretar da diferença entre os resultados com psicoterapia e/ou medicamento e os resultados com placebo, cabe a cada um.
Dois tipos de esperança no tratamento
No prefácio de seu livro, Seligman escreve:
“Existem dois tipos de medicamentos, e igualmente, existem dois tipos de intervenções psicoterapêuticas: curativas e paliativas. Com medicação, se você toma um antibiótico e se você o toma por tempo suficiente, o medicamento vai matar as bactérias invasoras. Isto é, quando você tiver parado de tomar, a doença terá acabado. Por outro lado, se você toma quinina para malária, você terá apenas a supressão dos sintomas. Se você parar de tomar quinina, a malária vai voltar. A quinina é uma droga paliativa (cosmetic) e todo e qualquer medicamento pode ser classificado como curativo ou paliativo na intenção. O tratamento paliativo é uma coisa boa, mas não é o objetivo maior de uma intervenção. Idealmente, a cura é a busca” (SELIGMAN, p. 5 – tradução minha).
Na psicoterapia, nos tratamentos psicológicos ou da psique, Seligman argumenta que nas últimas décadas houve uma diminuição da busca por cura – como havia na psicanálise freudiana – para a adoção de tratamentos paliativos. Isso não se deve à incompetência dos terapeutas, mas ao fato de que o sistema de saúde, geralmente dominado por grupos de planos de saúde, limita o número de consultas.
A psicanálise e o sintoma
Sabemos que Freud abandonou a hipnose porque percebeu que os sintomas que eram tratados retornavam. Vemos desde aí que o seu objetivo era encontrar uma forma de tratamento que fosse eficaz, eficaz no longo prazo, duradoura. Se com a técnica da associação livre o pai da psicanálise encontrou ou não a forma para mudar os sintomas de seus pacientes é uma questão controversa.
Durante a faculdade, um querido professor contava uma pequena história sobre o final da análise (pesquisar sobre o final da análise é procurar entender sobre a cura dos sintomas ou da transformação do paciente). Meu professor contava para nós: “No início da análise, o sujeito defeca nas calças e reclama. No final da análise, o sujeito defeca nas calças mas não reclama”.
Esta pequena anedota expressa o que é conhecido dentro da psicanálise: nem tudo é possível mudar. E mais: mudar um sintoma talvez seja impossível porque o sintoma constitui o sujeito de tal forma que não haveria mais o mesmo sujeito.
Como diz Clarice Lispector, genial como sempre: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
O que você pode mudar e o que não pode
Dizer que a década de 1990 foi a década do cérebro é reconhecer que até essa década o cérebro era desconhecido. Só a partir de então conseguimos estudar um cérebro vivo. Assim, embora saibamos já um pouco mais hoje em dia, muito ainda será descoberto.
Falamos muito da plasticidade do cérebro, sobre a sua capacidade de mudar e regenerar. Entretanto, voltando ao comportamento, percebemos sem muita dificuldade que existem traços de personalidade que são relativamente estáveis (para o bem ou para o mal). Para o bem: quando uma pessoa é disciplinada o suficiente para, por exemplo, trabalhar ou estudar com constância. Para o mal: um vício que não permite uma pessoa ser disciplinada o suficiente para trabalhar ou estudar.
Em outras palavras, existem comportamentos que se consegue mudar com relativa facilidade, como mudar um gosto alimentar e outros que são tão pervasivos e permanentes que chamamos de traços de personalidade ou caráter. Talvez nunca mudem ou mudem apenas temporariamente, retornando em seguida.
Como na anedota do meu professor. Uma pessoa obsessiva com horário pode parar de reclamar da sua obsessão, mas continuar obsessiva. Ou seja, muda alguma coisa, mas outras continuam.
Conclusão
Em síntese: com a psicoterapia, com medicamentos, com exercícios físicos, mindfulness, etc, é possível mudar muita coisa. Mas provavelmente existirão fatores em nós que permanecerão ou então retornarão de tempos em tempos. O que não significa ser pessimista sobre a possibilidade de mudança (nem otimista como se fora uma panaceia).
Como sempre, o meio termo é mais salutar. E deixar de procurar ajuda não faz sentido porque a ajuda profissional realmente pode ajudar e muito… a mudar o que pode ser mudado.
Recomendamos – Curso de Psicoterapia
Adoro os seus textos e agradeço a oportunidade de desfrutar do conteúdo de suas pesquisas e sábias conclusões. ABS
Muio bom esse texte ,é um assunto que mim interessa
Parabéns pela excelente explanação…
Você continua se superando com os seus lógicos, claros e objetivos textos. Plagiando a Cléa Rodrigues, continue escrevendo e publicando os seus maravilhosos escritos.
Gosto muito dos seus textos, são esclarecedores e precisos, enfim, parabéns pelo trabalho que vem desenvolvendo, não sei se pode imaginar o quanto tem ajudado, sou muito grata. Um abraço.
Obrigado Adriana!
Muito obrigada! Tem me esclarecido muito!