“Quando nós nos fundimos com os nossos pensamentos, eles tem muito impacto e influência sobre nós. Mas quando nós realizamos a desfusão cognitiva…então os pensamentos passam a ter pouco ou nenhum efeito” (Russ Harris).
Olá amigos!
É engraçado como é comum a identificação do que pensamos com quem somos. Esta identificação chega a tal ponto que algumas pessoas tem medo de ter certo tipo de pensamentos, ou porque isso significaria que são necessariamente pessoas ruins ou porque imaginam que pensar é o mesmo que acontecer.
Ora, pensamentos são apenas pensamentos. Podemos pensar algo sobre o futuro e isso não vai acontecer de maneira necessária, certo? Se pensarmos algo que é contrário ao que acreditamos, também, isso não vai significar que estamos adotando uma nova crença ou que o pensamento pensado diga sobre o nosso valor.
A filosofia de Descartes, nos livros Meditações e Discurso sobre o método, vem sendo apontada – erroneamente – como uma precursora deste tipo de associação entre o pensamento e quem somos. Afinal, a famosa frase: “penso, logo sou” (Cogito, ergo sum) uniria o pensamento com o ser. Porém, o que Descartes quer dizer é que a habilidade de pensar é que o faz um ser existente. Não o pensamento em si. Se ele pensa que há um gênio maligno ou se ele pensa que há um Deus que sela a verdade, em certo sentido, tanto faz. O que faz dele um ser à parte não é o que ele pensa, mas sim o fato de que pensa.
Tudo isso pode parecer meio abstrato ou sem sentido, mas tem toda relação com a nossa vida. Imagine alguém que pensa:
“Eu sou uma pessoa que não é digna de receber amor”.
Esta frase, dita ou pensada, é apenas um pensamento. Porém, se a pessoa se identifica com o conteúdo da frase, ela estará se fundindo com o pensamento. Como é uma frase negativa, digamos assim, os efeitos serão prejudiciais para a sua vida. E não somente os efeitos de longo prazo… o próprio fato de pensar e acreditar trará sensações corporais desagradáveis.
A terapia de aceitação e compromisso, uma das mais modernas linhas de psicologia, derivada da psicologia comportamental e cognitiva, entende que pensamentos negativos como esse são comuns, em todos nós. Talvez ajude praticar auto-afirmações, aprender a pensar de maneira mais positiva, construtiva, empreendedora. Entretanto, de tempos em tempos pensamentos ruins, negativos, que nos colocam para baixo tornam a aparecer e a reaparecer. E porquê?
Bem, é curioso pensar que somos animais. E compartilhamos com os outros mamíferos um sistema cerebral, anterior em evolução ao córtex cerebral, que age de uma forma que podemos chamar de instintiva. Em certas circunstâncias, e visando a sobrevivência, o esquema luta-fuga é ativado. É como se estivéssemos em uma selva e um perigo fosse avistado: o corpo gera adrenalina e ou fugimos ou lutamos. Óbvio que o comportamento, em si, não precisa ser exposto. A sensação de luta ou fuga, entretanto, é sentida internamente.
A luta pode ser sentida como raiva, ódio, vontade de brigar, bater, xingar, enquanto a fuga pode ser sentida como tristeza, melancolia, recolhimento, vontade de ir embora, ficar isolado, etc.
Mas, em momentos como esse, e em outros momentos em que pensamentos indesejáveis aparecem, podemos dar um passa atrás e nos desidentificar com o que estamos pensando. A desidentificação, na ACT, terapia de aceitação e compromisso, é chamada de desfusão cognitiva.
O que é desfusão cognitiva?
Em síntese, entendemos que a desfusão cognitiva é a habilidade de se afastar dos próprios pensamentos. Como se o pensamento fosse um objeto que está em nosso ambiente, como essa mesa, essa cadeira ou esse sofá. Assim como não confundimos quem somos com essa mesa, essa cadeira ou esse sofá, passamos a ter a capacidade de não confundir quem somos com o que pensamos.
Para mostrar como é a desfusão cognitiva, procure fazer os exercícios abaixo. A maioria das pessoas sente a diferença e pode se beneficiar desta prática.
Exercício 1: Eu estou tendo o pensamento…
“Traga a mente para um pensamento que está te incomodando, aparece com frequência e talvez te impeça de ter a vida que quer. Pode ser talvez um pensamento negativo sobre você, parecido com:
“Eu não posso”
“Eu não sou inteligente o bastante, bom o bastante…”
…
1) Silenciosamente, diga esta pensamento para você, acreditando tanto quanto você puder e notando os efeitos que este pensamento tem.
2) Agora, pense novamente o pensamento, mas insira a frase antes do pensamento:
“Eu estou tendo o pensamento que… (eu não posso) ou (eu não sou inteligente o bastante, bom o bastante…)
3) E, agora, pense novamente o pensamento, com esta frase antes:
“Eu noto que eu estou tendo o pensamento de que…”
Portanto, há a sequência
1) Pensamento X
2) Eu estou tendo o pensamento X
3) Eu noto que estou tendo o pensamento X
Exercício 2: cantando o pensamento
Outra possibilidade para criar distância dos pensamentos é:
1) Pensamento X
2) Cantar o pensamento X com o mesmo ritmo que você canta “Parabéns para você”.
Exercício 3: vozes engraçadas
E, ainda, outra possibilidade é fazer a sequência:
1) Pensamento X
2) Modificar a voz (em sua cabeça) por uma voz engraçada, como o voz do Pato Donald ou de alguém famoso cuja voz seja estranha ou diferente.
Conclusão
Se você fez os exercícios acima, terá provavelmente notado que os pensamentos acabam se tornando mais distantes ou mais separados de quem nós somos, como se disséssemos:
“Este é um pensamento que estou tendo agora. Estou notando que estou tendo este pensamento agora. E é só um pensamento”.
A vantagem é que os pensamentos passam a incomodar menos, causam menos sentimentos negativos e, além disso, podemos passar a pensar em qualquer coisa (e até melhorar a nossa lógica).
Referências Bibliográficas:
HARRIS, Russ. The Confidence Gap: from fear to freedom. Kindle Edition.
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Olá Felipe!
Essa dissociação do pensamento é vê-lo passar e saber que é somente um pensamento e esse pensamento não é o eu, a partir desse ponto, você pode até brincar com ele (o pensamento) ou moldá-lo, tomar posse de, conduzi-lo…muito boa essa liberdade! Grata!
Abraço fraterno,
Malu
Olá, Felipe!!! É muito interessante e até engraçado quando fazemos estas técnicas com os nossos pensamentos. Simples. Para alguns talvez simples demais, mas bastante poderoso. Obrigada pelo texto! Um abraço!
Felipe,agradeço por dividir conosco seus saberes,esse conhecimento sobre a dissociação entre o pensamento e o eu foi ótimo,pois eu estava passando por momentos difíceis,de luta interior entre o pensar e querer,meu filho estava adoentado com a possibilidade de vir a fazer uma cirurgia se o caso clinico dele não alterasse”sopro” e frequentemente me vinha uns pensamentos negativos os quais chegava a imagina-lo no leito hospitalar,combatia esses pensamentos com a fé ou seja religião,no entanto ao aprender separar o pensamento como se fosse um objeto e a não me identificar com o pensamento aprendi a separar e a não aceita-los e elimina-los.Obrigada
obrigada Felipe , me ajudou a superar o peso do escritoria kkkk
Professor Felipe, como sempre excelentes textos! Tenho uma dúvida que é recorrente. No título foi usado o termo “defusão cognitiva” e no corpo do texto “disfusão cognitiva”. Tenho lido textos de outros autores usando as duas formas. Qual seria a de melhor propriedade?
Complementando meu comentário anterior. O temo “defusão” está publicado no título da página html e não no título do arigo. Antecipadamente agradeço.
Olá Danilo,
É uma questão de escolha na tradução. O termo em inglês é Cognitive defusion. Eu realmente escrevi primeiro defusão cognitiva (por isso o html ficou assim, rs) e depois dei uma pesquisada e vi que tem sido traduzido mais como desfusão.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe. Muito bom seu texto!! Parabéns. Penso que esses tipos de pensamentos automáticos podem ter profunda relação com crenças enraizadas e reforçadas pelo viés de confirmação. Na abordagem que utilizo (sistêmica familiar) percebo que alguns pacientes costumam a fusionar pensamento com sentimento. Adoraria em uma outra oportunidade , quem sabe, ver algum texto seu falando sobre abordagem sistêmica, sobretudo, a teoria de Bowen. Forte Abraço.