Basicamente, existem três respostas possíveis dadas ao longo da história.
Olá amigos!
Durante a faculdade de psicologia, e depois, sempre acabamos lidando com a seguinte pergunta: “a psicologia é ou não é uma ciência?” Neste texto, procuro mostrar as possíveis respostas que já foram dadas por psicólogos de todo o mundo para a questão. É um texto introdutório, para que todos possam compreender. O objetivo é iniciar a discussão.
Nota: se você tem mais conhecimentos de epistemologia ou se você tiver dúvidas sobre o texto, poste seu comentário abaixo e contribua.
A psicologia é ou não é uma ciência?
Uma preocupação constante no início da história da psicologia foi com a cientificidade. Ou seja, em separar a disciplina das outras disciplinas estabelecidas antes como ciência (física, química, biologia, sociologia), tanto com o objetivo de separação como para legitimar o estudo e a criação de departamentos à parte nas universidades.
Desde o começo, a psicologia sofreu críticas por não ser uma ciência. Talvez fosse algo parecido com a filosofia, mas não uma ciência. Para começo de conversa, portanto, temos que ter um conceito do que é a ciência, certo? Se não, poderemos falar e falar e falar e não partiremos de uma definição.
Ciência, scientia, science, Wissenschaft… são palavras que estão intimamente relacionadas ao conhecimento. Do mesmo modo que podemos perguntar a alguém: “você tem ciência de que existe gravidade e você pode cair daí?” nós poderíamos perguntar: “você sabe, você tem o conhecimento de que existe gravidade e você pode cair daí?”
Portanto, ciência significa conhecimento. A diferença entre um conhecimento cotidiano, do senso comum, e o conhecimento científico (no sentido que trataremos aqui no texto, o sentido moderno) é que o conhecimento científico possui um método, um caminho para ser construído. Existe a metodologia científica, baseada em hipóteses e testes empíricos.
É engraçado porque o conhecimento científico acabou trazendo muitas tecnologias, aplicações úteis, para a nossa vida. E dada a bagagem de conhecimentos construída até hoje, a ciência se mostrou um caminho eficaz, razão pela qual disciplinas mais recentes como a psicologia procuram ou utilizar os conhecimentos confirmados ou imitar os métodos para ter os mesmos resultados. Digo que é engraçado porque, em última instância, a ciência não pretende ser a verdade final e definitiva.
A partir do modelo de uma hipótese, da possibilidade de replicação por outros pesquisadores, e da experimentação é frequente que um conhecimento tido como verdade absoluta ontem, não seja amanhã. Portanto, é bobagem ter este tipo de atitude de que a ciência é a autoridade máxima. Um cientista que se preze terá sempre consigo mais a dúvida e a curiosidade do que a pretensão de um conhecimento absoluto.
Mas, enfim, há essa vontade de ser ciência, de ser ciência hard, como se diz. Desta forma, ao longo da história, temos 3 possíveis respostas para a pergunta se a psicologia é ou não é uma ciência:
1) A psicologia é uma ciência
Tendo em vista o que foi falado acima, a psicologia é considerada uma ciência quando utiliza os métodos das outras ciências, ou seja, quando estabelece hipóteses e as testa em laboratório. Ela pode procurar usar métodos próximos da biologia ou sistemas que foram desenvolvidos no âmbito da medicina, por exemplo, com grupos controle, estatísticas, médias, etc.
Por este motivo, Wundt é marcado como o pai da psicologia moderna porque teria sido ele o primeiro pesquisador a criar um laboratório de psicologia, em 1879. Infelizmente, as obras de Wundt nunca foram traduzidas para o português. Algumas delas foram traduzidas para o inglês, mas quem quiser se aprofundar em tudo o que foi escrito por ele, terá que estudar no original em alemão.
Depois de Wundt, muitos outros pesquisadores criaram laboratórios para pesquisar a psique. Curiosamente, para quem não sabe, psique (psicologia é psique+logia) significa alma em grego. A diferença de Wundt para outros pesquisadores será não só o que vai ser estudado na psique como a forma de estudar este conteúdo.
O movimento dentro da psicologia que ficou conhecimento como psicologia comportamental viu que era excessivamente problemático estudar a alma, a psique, a mente. Portanto, reformulou o objeto de estudo da psicologia da psique para o comportamento. O comportamento de um sujeito (normalmente chamado de organismo para se aproximar da biologia) é a unidade de estudo. Afinal, é muito difícil estudar a mente – o que é mente? – mas é possível estudar o que um organismo faz, quando faz e como faz.
O problema é que um tipo de comportamento que é dos mais importantes para nós, seres humanos, é um comportamento privado ou encoberto, ou seja, o que pensamos e sentimos. Continua, portanto, a questão até os dias atuais sobre como estudar cientificamente o que uma pessoa pensa e sente, se ela não diz o que está pensando ou sentindo.
(Observação: com o advento das neurociências e as tecnologias que possibilitam estudar o cérebro em funcionamento, este problema está sendo trabalhado de outra forma, com possibilidades muito interessantes).
Mas, de toda forma, aos olhos de outras ciências, a psicologia comportamental é uma ciência porque utiliza dos mesmos princípios estabelecidos ao redor do mundo para uma pesquisa científica. A psicologia cognitiva, e as outras vertentes decorrentes, como a Mindfulness Psychology, também são incluídas geralmente como perspectivas científicas.
2) A psicologia é um outro tipo de ciência
Desde Dewey – e até antes – nós temos a ideia de que existiriam tipos diferentes de ciência de acordo com o objeto de estudo. Faz sentido porque estudar um objeto inanimado é diferente de estudar um objeto “animado” (anima, em animado e inanimado vem de anima, no latim, que significa alma, como psique, em grego).
Assim, surgiram diversas catalogações como, por exemplo:
Naturwissenschaften – ciências da natureza
Geistwissenchaften – ciências humanas (literalmente, ciências do espírito).
Por aqui, é comum dividirmos as faculdades em:
– Faculdades de exatas;
– Faculdades biológicas;
– Faculdades de humanas.
Outras vertentes da psicologia, como a psicologia fenomenológica-existencial, defendem que a psicologia é sim uma ciência, mas não uma ciência como as ciências da natureza ou como as ciências biológicas ou exatas. A psicologia é uma ciência da compreensão, ou seja, utiliza de outros métodos – igualmente sistemáticos – para estudar a complexidade que é o ser humano.
Para começar, um ser humano é muito diferente de um objeto inanimado ou de um animal por ter linguagem. A linguagem é algo que o difere totalmente destes outros possíveis objetos de estudo e, portanto, exige uma outra metodologia que a contemple.
3) A psicologia não é uma ciência
Uma outra vertente influente na psicologia é a psicanálise, que, embora não se identifique com a psicologia, deu origem a diversas teorias e pesquisas. Assim, podemos falar de psicologia psicodinâmica, como aquela que incorpora a psicanálise como um importante fundamento.
Se formos ler Freud, veremos que ele procurou também legitimar a psicanálise como uma ciência. Para quem não sabe, Freud se formou em medicina e se especializou em neurologia. E, dado esse desejo do pai da psicanálise, houve um longo debate na epistemologia do século XX se a psicanálise poderia ser considerada ou não uma ciência. A celeuma reside no fato de que os conhecimentos adquiridos pelos psicanalistas não o foram em um ambiente controlado, como um laboratório, e a metodologia de pesquisa não segue os padrões de grupo-controle, estatísticas, e outras exigências para se enquadrar na ciência.
O método é muito mais ligado ao que podemos chamar de estudo de caso e, portanto, existe a crítica se pode ser generalizado. Além disso, podemos criticar os conceitos. Será que existe algo como o inconsciente? Ou o inconsciente é só uma outra palavra impossível de comprovar como mente ou psique?
Bem, psicanalistas como Jacques Lacan, mais cientes dos problemas da epistemologia, até tentaram inicialmente também esta legitimação, mas depois perceberam que é impossível criar uma ciência da psicanálise. A psicanálise estaria muito mais próxima da ética. Isso significa que a psicanálise se insere em um tipo de questão que envolve um sujeito e, portanto, trabalha um problema que é um problema ético e não científico.
Dois exemplos nos ajudarão a entender.
Um psicólogo, baseado nas metodologias científicas, pode fazer uma pesquisa com 200 esquizofrênicos. Se o psicólogo clínico for procurar ajudar um deles, ele estará trabalhando com um indivíduo que é único. Embora tenha sintomas parecidos com os outros 199, ele não será idêntico à eles. De modo que existe o problema do individual e do grupo, do particular e do geral.
Quando os psicanalistas afirmam que a psicanálise (e a psicologia por derivação) está no campo da ética, o que está sendo afirmado é que as questões da prática sempre vão envolver questões éticas. Para ficar claro, vamos separar o que é ética e o que é ciência, com um exemplo genial de um querido professor:
– Ciência: tomar refrigerante provoca celulite;
– Ética: devo ou não devo tomar refrigerante?
Em outras palavras, a ciência pode trazer conhecimentos estruturados, que procuram ser verdadeiros (até que se prove o contrário). Porém, no dia a dia, na prática, o uso que vamos fazer do conhecimento é sempre ético. A ética pode ser definida como a busca de uma resposta para o que é melhor fazer. É melhor ou não é melhor tomar refrigerante? Na prática clínica, por exemplo, é melhor ou não é melhor tomar este remédio? É melhor escolher X ou é melhor escolher Y?
Por isso, o Conselho Federal de Psicologia possui uma Ética Profissional, com normas do que é melhor fazer (e não um manual com técnicas e axiomas).
Conclusão
Como disse no início, o objetivo deste texto é ser introdutório e mostrar algumas perspectivas para a pergunta se a psicologia é ou não é uma ciência. Na medida em que existem psicologias, no plural, e não uma única psicologia, o problema acaba sendo maior ainda, porque teríamos que perguntar se cada uma destas psicologias é ou não uma ciência.
Procurei mostrar as três principais perspectivas:
– A psicologia é uma ciência
– A psicologia é um outro tipo de ciência
– A psicologia não é uma ciência (é uma ética).
Leia também – Formas de pensamento para estudar o pensamento na psicologia
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Olá Professor
É pela primeira vez participar neste fórum, quero saber quanto tempo dura? Quero começar a participar apartir da amanhã.
Att
Gomes Cussei Cassule
Olá Gomes!
Você pode entrar no site quando quiser e ficar quanto tempo quiser, ok?
Não existem horários, nem tempo de duração.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Na minha opinião(leigo), o behaviorismo tem condições de ser uma ciência devido à aplicação da metodologia. Outras vertentes podem até não serem chamadas de ciência, pelo menos não da mesma ciência metodológica das outras matérias, mas mesmo assim a psicologia, no geral, nasce de muitas ciências que se fundem à muitos outros pensamentos não científicos como a filosofia por exemplo. Conhecimentos concretos se unindo a conhecimentos abstratos.
Eu acho que desde que alguns conceitos metodológicos de ciência possam ser aplicados, a psicologia é sólida como ciência, visto que não é possível aplicar todos, e se não é, e assumir que tudo tem de ser igual metodologicamente, a psicologia nem deveria existir.
Mas acho que exigi-se o mínimo de uma teoria, e sou fortemente inclinado à um principio básico da metodologia científica, a falseabilidade, ou seja, dada uma teoria, seja de qual for a matéria, se ela é aplicada num experimento, ela tem de ter a possibilidade clara de não poder dar certo. Se ela prevê algo, esse algo pode ser facilmente desmentido em testes simples.
Teve uma vez, acho que até foi nesse site, um artigo sobre uma teoria das cinco fases do luto. E eu questionei em comentário a validade científica dessa teoria, por justamente, ao meu ver, não respeitar o princípio da falseabilidade, pois, se em cinco etapas, digamos 1,2,3,4,5, qualquer uma de suas combinações são possíveis e algumas podem ser puladas, fica difícil e muito interpretativo desvalidar a teoria. Parece um daqueles experimentos da parapsicologia onde não deu certo, e o parapsicólogo diz que a sala tava com ondas negativas sendo exteriorizadas por uma entidade através de uma vibração psíquica, e o experimento acaba não desvalidando a teoria.
Outra coisa, quando me deparo com algo que não confio plenamente, por exemplo a psicanálise, mas gosto e acho plausível, não me apego muito, quer dizer, não vejo como uma única explicação possível, então se contrapormos este estudo que é algo interno com outro estudo externo, mais confiável em termos científicos e os dois não são excludentes, acho válido afirmar que se estudo interno prevê o que se pode estudar externamente, um conhecimento complementa o outro.
Se formos problematizar tudo, até a matemática pode ser rejeitada, pois se eu refuto sua metodologia ou resultados, e a única maneira de se provar uma verdade matemática é através da própria matemática, isso é petição de principio, circular.
Enfim, acho que não posso dizer que a psicologia é inteiramente científica, e também não acho que seja possível e nem que deveria ser, mas acho que ao longo do tempo ela vai se tornar cada vez mais sólida com métodos próprios e será tão confiável quanto qualquer outra matéria ao ponto de dizermos com certeza que é uma ciência(com outras metodologias).
Olá Mayke!
Muito legal você ter mencionado o princípio de falseabilidade de Popper.
Este foi um dos motivos que levou Aaron Beck, da psicologia cognitiva, a sair da perspectiva da psicanálise para explicar a depressão e criar a psicologia cognitiva.
Em resumo, não havia como falsear a hipótese freudiana sobre a melancolia como estando ligada à autorrecriminação.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá, Dr.Felipe!
Na minha opinião, os acadêmicos das ciências humanas e sociais confundem muito OBJETO DA CIÊNCIA com CIÊNCIA.
Exemplos:
Ex.1.: A terapia cognitiva-comportamental (OBJETO) não é ciência, mas pode ser objeto de estudos de uma ciência (Ciência da Psicologia).
Ex.2.: A Psicanálise (OBJETO) não é uma ciência, mas pode ser objeto de estudos de uma ciência (Ciência da Psicologia).
Ex.3.: O sistema nervoso (OBJETO) não é uma ciência, mas pode ser objeto de estudos de uma ciência (Neurociências).
Ex.4.: O Direito (conjunto de normas que regem a sociedade) não é uma ciência, mas pode ser objeto de várias ciências (Ciência do Direito, Sociologia, Psicologia Social etc).
Ex.4.: A alegria não é uma ciência, mas pode ser objeto da ciência chamada Psicologia Positiva.
Em suma, qualquer OBJETO pode ser objeto de estudos de uma ciência.
Abraço,
Rodrigo
Boa noite Felipe!
Pra minha concepção a psicologia continua sendo a ciência que estuda a mente humana, seja ela nas mais diversas áreas. Assim como a medicina é a ciência que estuda o corpo humano. Mudando de assunto… eu tenho uma dúvida sobre o inconsciente, pode parecer um tanto tola, mas é curiosa. Quais são os fenômenos mentais que entram em ação quando acessamos o inconsciente? Já que a consciência do EU não entra em ação quando ele conduz nossa psique?
Não sei se fui muito claro, mas espero que possa me explicar.
Grato,
Att.
Olá Mateus,
Em tese, o inconsciente não é acessado diretamente e sim através de certas conteúdos, digamos assim: sonhos, sintomas, atos falhos.
Veja a nossa aula – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/produto/curso-freud-psicopatologia-da-vida-cotidiana
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá, Felipe. Depois de ler seu texto, fiquei com uma dúvida: no curso de psicologia, hoje, há espaço para pessoas questionadoras? Ou as coisas já são delimitadas e imutáveis?
E deixo também uma sugestão de texto: constelação familiar.
Abraços.
Olá Igor!
Claro que sim!
A ideia da ciência é que a verdade é provisória. Podemos descobrir mais, sempre mais. É por isso que continuamos fazendo pesquisa e formando pesquisadores! :)
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Nossa, quantos comentários interessantes! Tenho visto tantos colegas falando bobagem por ai que andava meio desanimada com minha formação. Fiquei orgulhosa agora, deu até vontade de estudar mais!!!!!!!
BoaN! Estou orgulhosa com os comentários, Parabéns, espero tirar minhas duvidas tb.
Professor eu posso estar errado mais para mim não e ciência veja isto numa siderurgia mineira candidato a jardineiro e jardineiro fez teste psicotécnico passou foi convidado aniversário casa de novo colega foi armado 3tiros no recinto vamos animar a festa disse notícia rádio peão espalhou mandado embora junto com psicologa três dias depois onde deu errado o teste psicológico? Obrigado pela atenção
Infelizmente, como acontece em todas as profissões, erros acontecem. Os testes psicológicos são reavaliados constantemente para certificar de que são precisos.