Às vezes é bom reconhecer que um pensamento é só um pensamento.
Olá amigos!
Fernando Pessoa foi o maior poeta de língua portuguesa. Minto. Foi o maior poeta de todas as línguas. Não só porque escreveu seus poemas mais tórridos em francês e inglês, mas porque a sua genialidade é incomparável. Além disso, ele não foi apenas um poeta. Ele foi vários. Os mais conhecidos são Fernando Pessoa, ele mesmo, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro.
Eu gosto particularmente de Álvaro de Campos, porque ele é aquele que viveu no nosso século (o século XX). Aquele que é lógico (um engenheiro naval), que tem certas tendências negativas (“é antes do ópio que minha alma é doente”) e que encara o mundo com o desespero de quem percebeu que o universo é infinito e que estamos irremediavelmente sós.
É o sujeito que conheceu Kant, Jean-Jacques Rosseau, Napoleão, Hegel, entre outros, viu a sua grandeza e se deu conta que não tinha feito nada. “À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”… É a pessoa que vê a passagem das horas em frente a uma tabacaria… e apesar de tudo, de ter muito pensado e sentido, encontra-se perdido e amargurado.
Não conhecemos muitas pessoas assim? Talvez sejamos também um pouco assim.
O curioso é que Fernando Pessoa, ele mesmo e ele como Álvaro de Campos, sabia que faltava algo. Em meio a sua suposta mediunidade e incrível sensibilidade psíquica (ele traduziu “A Voz do Silêncio” da Blavatsky), ele sabia que lhe faltava algo. Algo muito importante. O seu mestre, o seu guru, o seu Self.
Certa noite, o mestre veio. Quando o discípulo está preparado, o mestre aparece. O mestre apareceu como Alberto Caeiro. Era 8 de março de 1914.
Pensar incomoda como andar na chuva
Depois de muito pensar e sentir como Álvaro de Campos, o pensamento e as emoções desencontradas tem que dar lugar a algo maior. Porém, ao contrário do que se poderia imaginar, o que é maior é o que é mais simples: as sensações corporais e a natureza.
Normalmente não nos damos conta que os pensamentos (em imagens, sons ou letras em um papel ou tela) não são nada. Ou melhor, são só isso: sons e imagens. Se eu digo: “caneta” você pensa em uma caneta mas isso não significa que a caneta vai aparecer milagrosamente na sua frente. Uma caneta é só um objeto qualquer. Poderia ser outro. Mas o que dizer das grandes palavras como amor, felicidade, paz, justiça?
Para o mestre de Fernando Pessoa, tudo isso são só palavras. Como no poema “há metafísica bastante em não pensar em nada”… o mistério é haver em quem pense no mistério, já que se há, não é mais um mistério…
Andar na chuva incomoda quando você tem que ir em algum lugar e vai ficar molhado por horas. Você não quer se molhar, então, por não querer, a chuva te incomoda.
É como pensar. Pensar incomoda quando você não quer pensar. Quando não é útil, quando não vai lhe acrescentar nada. Quando você quer que os pensamentos parem, mas você não consegue. Ou, o pior, que é confundir o dedo que aponta (o pensamento) com o objeto que é apontado…
No segundo poema do Guardador de Rebanhos, o poeta-mestre diz:
“E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo”…
Mindfulness Psychology: o pasmo essencial
Ter atenção plena exige treinamento. Alguns, como Pessoa, conseguiram atingir este pasmo essencial – uma percepção da realidade além das palavras – e captar a beleza da vida. Quem acompanhou atentamente o crescimento de uma criança não pode deixar de se maravilhar com o processo de aquisição da linguagem, as perguntas do porquê das coisas, o interesse de pegar, tocar, cheirar, correr, chorar…
Ao aprender uma língua estrangeira, surge algo parecido. Porque lua em alemão é masculino (Der Mond) e sol é masculino (Die Sonne)? Por que Espírito Santo, em hebraico, é feminino? Por que as palavras tem essa ordem em uma frase ou são grafadas deste jeito e não de outro? Enfim… são só palavras. O problema é que nós vemos o mundo através das palavras que usamos.
Toda vez que vou a um congresso, acho engraçado como, subitamente, você entra em um outro universo. Por exemplo, se você vai em um evento sobre Mindfulness, essa palavra será a mais importante. Se você vai em um sobre psicanálise, Freud será o tempo todo ouvido. Isto é óbvio, claro. Mas apenas significa que há ali uma comunidade que procura usar certos termos para descrever certas realidades. Seria interessante um teste no qual fosse proibido usar certas palavras e dizer ainda alguma coisa…
Mas voltando ao nosso assunto. Silêncio. O que você pode ver, ouvir, tocar, cheirar, degustar agora?
“Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa”…
Conclusão
Pensar é bom. É importante. Faz parte. Mas em uma cultura que valoriza excessivamente o pensamento e a tagarelice, ficar em silêncio é ameaçador. Desde o “penso, logo existo” há uma associação perniciosa entre o pensar e o ser (talvez desde Heráclito ou ainda antes). De toda forma, esta história é também só mais um pensamento. Como todo pensamento, vai passar. E entre um pensamento e outro, o silêncio é bem-vindo.
Muito bom!
Gostei bastante.
Em certa ocasião, ouvi de um intelectual português que Fernando Pessoa era muito admirado e valorizado no Brasil, entretanto, em Portugal nem tanto. Engraçado, nós nunca damos valor ao que é nosso. Eu o considero maior que Camões. Acho que prevendo isso, ele teria dito “a minha pátria é a língua portuguesa”.
Professor, quando o senhor fala de Fernando Pessoa, “suposta mediunidade” penso que a cabeça dele, era um “condomínio espiritual” , lembro-me das obras do pedagogo francês Alan Kardec.
Gosto muito das publicações, de todas as matérias deste site e de seus temas de estudo e pesquisa nas áreas da mente e comportamento humano. Estão de parabéns! Sempre me surpreendo com o trabalho de vocês em matérias excelentes ao abordar tantas questões que inquietam nossa curiosidade e desejo de aprender cada vez mais sobre a existência de tudo. Tanto para leigos quanto para estudiosos da área, este site é maravilhoso e imensamente rico de conhecimento e sabedoria.
Parabens Felipe. Seus te textos me Trazem para a realidade.
Olá Carlos!
Aqui felizmente temos Fernando Pessoa na escola. Temos que estudar a sua obra no colégio e isso nos ajuda a conhecê-lo.
Quando à mediunidade, bem, talvez não seja um termo tão apropriado. Em uma fotobiografia que li dele há muitos anos, ele contava que conseguia fazer coisas um pouco diferentes, como ver de vez em quando os órgãos internos de outras pessoas. Não sei, então, se deveríamos falar em mediunidade no sentido de Kardec. Mas certamente ele era uma pessoa super sensível.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Leonardo!
muito bom!
Professor Felipe, desculpe-me o elogio frontal, mas tem que ser dito,as suas respostas revelam cultura geral e inteligência. Parabéns!!!
Obrigado Carlos!