Olá amigos!
Na psicologia, estudamos em diversas disciplinas a área de psicopatologia. A psicopatologia estuda as doenças mentais, também chamadas de transtornos mentais. Na origem da palavra temos patologia e psique. Patologia vem de pathos que significa sofrimento.
Assim, a psicopatologia estuda os sofrimentos da psique, da mente, do comportamento. Por exemplo, no DSM-5, os transtornos mentais tem que ter sempre o seguinte critério para que o diagnóstico seja feito:
– o Transtorno causa sofrimento clinicamente significativo.
Faço esta introdução porque existe muito preconceito ainda contra os transtornos mentais. Transtorno é já uma palavra forte, do mesmo modo que dizer que um indivíduo tem uma doença mental. Logo pensamos naquelas tristes cenas dos hospícios – que felizmente vem sendo fechados desde a década de 1970.
É importante lembrar que todo transtorno inclui a gravidade: leve, moderada ou grave. Além de que temos que pensar que um transtorno, como seus sintomas específicos, pode sofrer remissão total com o passar do tempo.
Sem querer esgotar quais são os principais transtornos, pelo DSM-5 vemos os seguinte capítulos, que incluem diversos outros transtornos:
Transtornos do Neurodesenvolvimento
Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos
Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados
Transtornos Depressivos
Transtornos de Ansiedade
Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados
Transtornos Relacionados a Trauma e Estressores
Transtornos Dissociativos
Transtornos de Sintomas Somáticos e Transtornos Relacionados
Transtornos Alimentares
Transtornos da Eliminação
Transtornos do Sono-Vigília
Disfunções sexuais
Disforia de Gênero
Transtornos Disruptivos, do Controle de Impulsos e da Conduta
Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos
Transtornos Neurocognitivos
Transtornos da Personalidade
Transtornos Parafílicos
Estudamos todos estes transtornos em nosso Curso em Vídeo sobre o DSM-5
Segundo as estatísticas realizadas até hoje, estima-se que pelo menos 20% das pessoas no mundo sofrem ou tem probabilidade de sofrer um transtorno mental ao longo da vida. Muitos dizem que este número é exagerado, outros dizem que ele é subestimado.
Mas voltemos à pergunta: alguém que tenha um transtorno mental pode ser psicólogo?
Alguém que tenha um transtorno mental pode ser psicólogo?
No começo da psicanálise, quando Jung ainda trabalhava com Freud, ele orientou que todo psicanalista devesse fazer análise. Isto porque tendo vindo de uma experiência com transtornos mentais considerados mais graves (esquizofrenia) do que Freud (que lidava mais com neuroses), ele viu logo a necessidade de fazer uma espécie de pré-seleção dos candidatos a analista.
Afinal, alguém com uma psicose latente poderia surtar no processo de análise, ainda como paciente. Se isto estava claro, como poderia atender e avaliar bem um outro paciente?
Por isso, avaliava-se atentamente o desejo de ser um analista. Quer dizer, os motivos conscientes e inconscientes que estavam presentes em cada um.
Então, a ideia por trás desse processo de pré-seleção era de que certos tipos de estrutura psíquica não seriam recomendadas para analistas. Na verdade, até o próprio processo de análise seria prejudicial.
Uma visão oposta a esta é uma metáfora mitológica. Na mitologia grega, o personagem Quíron é um ser ligado à cura, mas ele é ligado à cura justamente por possuir em si uma ferida incurável. Sabendo cotidianamente do sofrimento de sua própria ferida, ele procura ajudar as outras pessoas a partir do sentimento de compaixão.
Interessante que compaixão em alemão é mitleid. Literalmente, sofrer com. No português também é assim = com + pathos (sofrer).
De forma que teríamos duas perspectivas opostas: por um lado, a necessidade apontada por Jung de que todo analista fizesse análise foi aos poucos sendo incorporada em outras psicoterapias (e na psicologia clínica em geral). Durante a faculdade, os professores sempre falam que devemos fazer terapia. Por outro lado, há esta metáfora do Quíron, daquele que cura por ter também em si uma ferida.
E como podemos chegar a uma conclusão?
Bem, existem transtornos e transtornos. Uma esquizofrenia tende a ter um prognóstico pior do que um transtorno bipolar que, por sua vez, possui um prognóstico pior do que um transtorno de humor (como a depressão). Há transtornos que são leves e passam desapercebido do próprio indivíduo e dos que estão ao seu redor e há transtornos que são tão graves que incapacitam para a vida toda.
Portanto, é difícil dizer sem saber o caso individual. Para transtornos graves, é natural que acabemos concordando com o olhar de Jung. Afinal, como uma pessoa com um sério problema poderia ajudar uma outra pessoa? É como o ditado que diz que “cego não conduz cego”…
Mas também temos que entender que cada profissional da área (e aqui incluímos psicanalistas, psiquiatras, terapeutas) é uma pessoa. E é virtualmente impossível que uma pessoa não tenha sofrimento (pathos). Se este sofrimento é ou não diagnosticado como um transtorno mental, se é leve, moderado ou grave é uma outra questão.
Porém, creio que não erro ao dizer que é a partir de um sofrimento que o profissional decide seguir por esta área da saúde mental. Talvez não seja o fato de ter tido um transtorno, mas sim de ver o sofrimento alheio: em amigos, familiares, colegas ou em instituições específicas.
De toda forma, é importante salientar que é um trabalho que exige muito. Exige muito saber e conhecimento e exige muito da força emocional, pois não é fácil conviver diariamente com o sofrimento das outras pessoas. Claro que o sofrimento alheio é muito variado. Um paciente sofre por ter tido uma briga estúpida com seu irmão, outro sofre por não ter tirado uma nota boa no colégio, outro por não ter tido reconhecimento no trabalho, enquanto outro está sofrendo porque perdeu uma filha ainda criança…
Por isso, é frequente encontrarmos colegas que desistem da área da psicologia clínica, porque simplesmente não aguentam lidar com sofrimentos e problemas dos outros o dia todo.
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Excelente trabalho, simples, linguagem acessível, temáticas pertinente, fabuloso trabalho. Aqui de Portugal um abraço, e continue a excelente dinâmica.
Atenciosamente,
J. Oliveira
Obrigado J. Oliveira!
Adorei o texto.
Sou psicóloga clinica, e temos que fazer um grande exercício para que não haja uma Contra transferência, ainda mais que nossos rendimentos são baixos, e acabamos por nos pecar quando não faxemos terapia. Uma coisa que deixo aqui,!ler muito, buscar nosso momento de solicitude para um bom fortalecimento emocional. Uma dica,
Olha novamente mais um artigo seu esta de parabéns,vc usa uma linguagem simples como disse nosso colega a cima ,nos esclarecendo as duvidas,eu a cada dia mais me apaixono por psicologia..a se não fosse tão velha…retomaria meus estudos…Muito obrigada por todo esclarecimento e luz a todos nos..
Creio que todos tem um tipo de transtorno, como vc disse, Felipe, em diferentes graus. As 80% (estimativa) das pessoas no mundo que tem um transtorno leve ou sob controle podem cuidar de outras sim. A chave está em saber lidar com o próprio sofrimento, não é mesmo? Infelizmente tive a oportunidade de presenciar duas atuações, uma num grupo de discussão virtual e outra pessoalmente, de duas psicólogas que até hoje me questiono como o Conselho permite essas pessoas atendam em seus consultórios. Nitidamente desequilibradas. Não deveria ter um critério rígido que avalie a habilitação dos futuros profissionais? Pelo que entendi estão liberando o registro para qualquer um.
Olá Erika!
No caso, seria 20% de pessoas com transtorno mental e 80% sem. Só que é complicado fazer este levantamento.
Se lermos o DSM-5 inteiro veremos que cada transtorno estima-se por volta de 1-5% para cada. Então, em tese, se somarmos quase todos teriam pelo menos um, pelo menos em um momento da vida, rs.
Sobre esta questão da avaliação para ter o CRP, isso existia no começo da nossa profissão no Brasil.
Falo disso aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2013/07/avaliacao-psicologica-para-ser-psicologo.html
E sim, infelizmente existem muitos profissionais que são indignos do nome.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Gosto de pensar que não carecemos de sofrimento para “sofrer com”. No entanto, de fato, o sofrimento de uma pessoa, por ventura, especialista da psique, pode contribuir na compreensão da vida dos pacientes perante os seus males, mas desde que este sofrimento prévio não interfira no sentido de transferência nem de por a ambos, especialista e paciente, em condição de não-enfrentamento, mas de “inércia”.
Todo pspsicólogo clinico que se preze deve ser terapeutizado e ter supervisão. Vejo cursos aprovados pelo MEC colocando no mercado profissionais que não buscam atualizações e mal sabem o que uma contratrasferencia.
Parabéns pelo trabalho Felipe. Sou psicólogo Clínico e realmente precisamos de terapia e uma boa supervisão, não esquecendo de uma constante atualização. A contratransferência é um “perigo” constante que devemos saber lidar com ela. E como disse, somos humanos e passivos também de todo sentimento. O profissional humano nos desafios maravilhosos da psicologia. Grande abraço.
olá professor Felipe esse é meu maior medo, não que eu tenho algum transtorno mais severo, mas já tive episódios de depressão e já fiz uso de medicação.Conforme a faculdade vai avançando o medo vai aumentando e ainda para ajudar minha terapeuta ainda me diz que teremos que estar muito bem de saúde mental para ajudarmos os outros.Conclusão: abandonei a terapia e mil dúvidas surgem na cabeça.Por favor me responda.Abraços.Roseli
como lidar com adolescente que usa drogas?
Olá Irlene!
Recomendo procurar o Alanon.
Atenciosamente
Felipe de Souza
muito bom o texto obrigado
Olá Felipe!
Também venho da UFSJ e me formei em 2013, desde então venho lidando com a questão do que fazer quando não se tem o que fazer, o desemprego, Recente resolvi clinicar e estou animada. Acompanho seu site e o artigo que mais me instigou foi este. Compartilho da sua ideia de que só chegamos ao curso de psicologia porque já existia em nós uma ferida (deem para ela a classificação de transtorno que quiserem) pra mim é uma ferida assim como a do Quíron, e é essa ferida que alimenta a análise do próprio terapeuta sua supervisão e seu trabalho com cada paciente!
Parabéns pelo trabalho desenvolvido! Estou apenas começando, mas com certeza miro as conquistas como exemplo.
Olá Stael!
Entre 2008 e 2010 eu estive no PROMEL.
Talvez tenhamos nos esbarrado nos corredores, rsrs.
Boa sorte neste início de carreira! Sucesso!!!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
É minha opinião, como Psicólogo clínico de que qualquer colega que termine o seu curso antes de fazer clínica deverá submeter-se a um processo psicoterapêutico. Divergi da escola Freudiana (sem negar que é muito importante conhecer os seus fundamentos) embora eu próprio me submeti a análise.
É óbvio que se falamos duma esquizofrenia ou dum outro transtorno mental grave a profissão está comprometida. É importante distinguir uma esquizofrenia dum temperamento esquizóide ou um temperamento epileptóide de epilepsia.
Durante o processo será importante cada terapeuta trabalhar a transferência e contra-transferência entre muitas outras variáveis.
Dolente não é o mesmo que doente. O dolente é o homem sofredor sem substrato orgânico e o doente …
Não esqueçamos a psicossomática.
Cordialmente
José Marto
Olá, tive conhecimento de sua página e estou achando de maior valia todos os textos apresentados, bastante interessantes, concisos, bem explicativos. Comecei a trabalhar recentemente na clínica e realmente é muito difícil estarmos em contato com o sofrimento alheio, por isso acho de fundamental importância a nossa própria análise! Gostaria de indicações de livros na area clínica. Obrigada
Olá Niliane!
Veja aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2015/04/10-principais-livros-sobre-transtornos-mentais-e-casos-clinicos.html
Oi felipe, muito bom o texto! Sempre acompanho o seu site. Me formei agora a pouco na área de ciências (licenciatura em biologia), durante o curso estudei psicologia da educação e de forma geral me identifiquei com a psicologia. Quero cursar no próximo período psicologia. Vc acha q posso correlacionar as duas ciências?
Olá Micheli,
Existem sim algumas áreas da psicologia que utilizam bastante os conhecimentos da biologia, como neurociência, psicofarmacologia, entre outros.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Excelente desafio. Se considerarmos transtornos leves, moderados e pesados, falando de forma bem simples, acho que diante de um transtorno considerado pesado, o trabalho pode agravar o sofrimento do profissional, comprometendo inclusive seu desempenho e trazendo comprometimento à sua imagem, prejudicando seu retorno futuro à atuação. À respeito de transtornos leves e moderados, não vejo como um problema que impeça o profissional de atuar,desde que esteja em tratamento. Problema considero, se o profissional prosseguir em atendimento, sem considerar tratar-se com um colega e dependendo do quadro, com um psiquiatra. Estou falando do Psicólogo em qualquer área de atuação, mas especialmente o clínico.
Olá Felipe!
Pesquisando sobre a história da Psicologia me deparei com um vídeo seu no youtube “20 dúvidas sobre a faculdade de psicologia”. Achei o vídeo e sua forma de se expressar muito interessantes, além de que algo me chamou a atenção mais especificadamente: a dúvida de que uma pessoa com transtorno mental poderia fazer o curso de psicologia. Tenho uma filha diagnosticada com transtorno bipolar, isso aconteceu a anos, quando ela abandonou o curso de odontologia. Ela recorreu a tratamento psiquiátrico, mas abandonou por achar que estava melhor e por considerar o tratamento muito custoso. (Nem ela, nem nós -pais- sabíamos que era um tratamento para toda a vida). Passou anos sem querer continuar os estudos, mas ano passado (com a idade de 30 anos) passou para fisioterapia. Logo que começou o curso já foram surgindo os mesmos sintomas que a atrapalharam em odonto e acabou abandonando esse curso também. Esse ano passou para psicologia, mas infelizmente, também está sofrendo nos estágios iniciais do curso (com ansiedade, desgaste físico, falta de motivação,vontade de fugir do curso). Pelo que pude perceber, para um psicólogo tecer uma opinião mais aprofundada, teria que conhecer o caso mais detalhadamente e por um longo período de tempo. Porém, se possível, você poderia me indicar um caminho além do fato claro de que ela tem que retomar o tratamento psiquiátrico e conjuntamente um tratamento psicológico; você acha mais indicado ela abandonar o curso e buscar tratamento ou fazer o tratamento enquanto continua fazendo a universidade?
Olá Edileusa, uma forma simples de entender um transtorno mental é como um sofrimento. Podemos fazer uma analogia com um sofrimento físico. Se estamos doentes, mesmo assim talvez consigamos ir trabalhar, por exemplo. Talvez não.
A questão fundamental é pensar se o ambiente da faculdade, no momento, não agrava o sofrimento. Se sim, deve-se pensar com calma se o melhor caminho não seria pedir um afastamento até que o sofrimento cesse ou seja superado.
Evidentemente, recomendo procurar ajuda profissional em sua cidade.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Muito obrigada Felipe! Sua resposta foi muito simples e concisa, além de que me ajudou bastante a entender o quadro geral da situação de uma forma mais prática. Pensaremos, eu e minha família, com paciência como contornar essa situação. Agradeço novamente e parabéns pelo seu trabalho.
Olá, Professor.
Suas postagens são bem claras e positivas. Eu tenho transtorno de humor (depressão) e meu sonho é poder ajudar as pessoas da forma que eu fui e sou ajudada. Acredito que isso não seja um problema, certo?! Irei iniciar o curso em breve, muito obrigada pelos esclarecimentos!!
Olá Graciela,
O primeiro passo é sempre procurar um tratamento e conseguir estabilizar os sintomas. Boa sorte nos seus estudos e carreira!
Parabéns pelo ótimo artigo. Estou gostando muito do seu site.
Estava fazendo psicologia, estava ainda no começo. Parei por conta da pandemia, começou a ser online e eu estou fugindo de online igual devedor (risos). No online eu estava fazendo jornalismo.
Tenho transtorno de personalidade borderline. Minha professora, que também era coordenadora do curso, foi informada disso, e ela disse que não tinha nenhum problema eu fazer o curso.
Um dia na sala de aula ela contou um caso de uma aluna que ela teve que tinha esquizofrenia.
Apesar de ser borders quando não estou apaixonado eu sou bem estável.
Meu único problema é se apaixonar.
Mas agora já sei tanto sobre transtornos e sei que muita gente tem, então já nem me iludo mais como antes.
Mas além de ter a personalidade borderline eu tenho a voz nasalada (nasci com lábio leporino), você acha que isso poderia me prejudicar para atender um dia como psicólogo?
A minha professora que me refiro era de Psicologia que dava aula mais de psicanálise e outro professor só dava sobre aula de psicologia.
Obs: minha voz é bem entendida se eu falar bem articulado com a boca e um dom bom para se ouvir. (Na verdade todo mundo falar melhor assim rs).
Acredito que não Gusttavo. Mas também penso que todos nós podemos nos beneficiar de um tratamento fonoaudiológico para melhorar ainda mais a nossa fala.
Obrigado, Felipe de Souza. Super necessária essa discussão. Gosto muito dos seus vídeos no youtube. Vlw, cara!
Obrigado!
Olá Dr. Felipe, venho de uma família que possui esquizofrenia em alguns de meus parentes e há um tempo atrás tive momentos em que tive que buscar ajuda e hoje ainda vivo como se houvesse um emaranhado gigantesco de uma conspiração contra mim, venho trabalhando isso sem um profissional por livre iniciativa minha e hoje me sinto melhor até e pretendo ser um Psicólogo e ajudar as pessoas a não passar por tanto sofrimento