Olá amigos!

Como muitos de vocês já sabem, eu estou concluindo meu doutorado sobre o Livro Vermelho, de C. G. Jung. Não é um livro fácil de definir (tanto é que praticamente um capítulo inteiro é dedicado para responder à pergunta – o que é o Livro Vermelho?).

Em síntese, considero uma espécie de diário de sonhos, fantasias e imaginações ativas, cuidadosamente reescrito com letras góticas e imagens.

Hoje, gostaria de comentar com vocês um breve trecho, que – como diria Ricouer – dá o que pensar. Neste trecho Jung escreve:

“A vida que eu ainda poderia viver, eu deveria viver e o pensar que eu ainda poderia pensar, eu deveria pensar” (JUNG, 2010, p.121).

Como podemos pensar este pensamento do criador da Psicologia Analitica?

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A vida que eu ainda poderia viver, eu deveria viver

O sentido imediato desta frase é que, enquanto estivermos vivos, ainda haverá vida a ser vivida. E, então, podemos qualificar o viver de duas formas: a vida que já foi vivida (o passado) e a vida que ainda podemos viver (o futuro).

E, assim, podemos pensar que viver no passado, ou apenas repetí-lo, e ficar em uma interminável zona de conforto, não seria a melhor forma de viver. Porém, caímos rápido em um outro tipo de questionamento, que é:

– O que é que poderíamos viver que ainda não vivemos?

– Devemos viver tudo, inclusive o que seria considerado negativo ou mal? Qual é o limite da maldade? Ou melhor, o que é válido colocar na lista de coisas que ainda se pode vivenciar?

Talvez, com dois breves exemplos, fique mais claro o grande problema – ou questionamento – que advém desta simples frase de Jung (e que está presente no dia a dia do psicólogo clínico).

A mulher de 30 anos que dedicou sua vida até hoje para a carreira e quer uma família com filhos. A outra que tem uma família e quer uma carreira.

Para elas, e para nós outros, há alguma coisa que falta. Que sentimos que falta e que nem sempre somos capazes de reconhecer ou expressar.

A questão é: o que falta?

E mais: será que o fato de deixar para depois ou mesmo não fazer de todo representará um sofrimento permanente que não vai sarar? Ou seria mais desejável ter uma vida sem muitos erros e arrependimentos, mas com poucas ou quase nenhuma realização?

Existe uma frase que é atribuída a Mark Twain que diz:

“Daqui a vinte anos você estará mais arrependido pelas coisas que não fez do que pelas que fez. Então solte suas amarras. Afaste-se do porto seguro. Agarre o vento em suas velas. Explore. Sonhe. Descubra”.

Sendo do grande escritor ou não, em certa medida relaciona-se com a frase de Jung, Como um sujeito dedicado a pesquisas e teorias na psiquiatria e medicina, Jung completa que o que não foi pensado, também deve ser pensado.

A vivência direta (o que eu deveria viver) não exclui a reflexão sobre a vivência (o que eu poderia pensar).

E, unindo a vivência com o pensamento, entendemos que o que foi não pensado, deve ser para que a experiência não se perca e, igualmente, para que o pensamento continue a girar por regiões inexploradas.

Como quem diz:

– Você já parou para pensar nisso (algo que você nunca pensou de verdade)?

– Você já parou para pensar que as coisas podem ser diferentes, muito diferentes, do que você tem pensado nos últimos tempos?

– E se o sentido real não for como você pensa?

Para muitos, o pensamento fica paralisado e cristalizado em visões e compreensões nem sempre corretas, parcialmente verdadeiras ou, talvez pior, limitantes sobre as milhares de possibilidades que a vida nos traz todos os dias.

Conclusão

Esses dias ouvi uma outra frase sobre a qual também tenho pensado bastante. O argumento central era que o principal erro do ser humano é achar que tem tempo.

Não no sentido de que somos tempo (o que é um entendimento mais próximo da verdade), mas sim no sentido de que o tempo que ainda nos resta é finito. O tempo que ainda temos pela frente, pior, é totalmente incerto.

O choque de receber o diagnóstico de uma doença terminal é como um balde de água fria na ideia equivocada de que temos todo o tempo do mundo para fazer o que gostaríamos de fazer. Mas, evidentemente, não precisamos receber um diagnóstico terrível para nos darmos conta da nossa finitude.

Portanto, o que ainda falta para você viver?