Olá amigos!
Um tema que causa profundo sofrimento psíquico é o que podemos chamar de dificuldade de adaptação social. Neste texto, vamos falar sobre este tema que aflige milhões e milhões de pessoas ao redor do mundo. Como é um tema complexo, procuraremos citar os principais pontos e poderemos continuar conversando nos comentários ao final.
Indivíduo X Sociedade
Para começarmos, devemos falar a respeito da relação entre o indivíduo e a sociedade. Quem sente que não consegue (ou até não quer) se adaptar ao seu contexto social sente na pele o peso desta distinção: a distinção entre “quem eu sou” e “quem nós somos” (ou deveríamos ser coletivamente).
Contudo, falar sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade é como falar sobre o koan – “Quem surgiu primeiro? O ovo ou a galinha?” Porque é óbvio que não existe sociedade sem indivíduos e, igualmente, o indivíduo pereceria se não fosse a sociedade.
Quem discorda do último ponto e acredita que o indivíduo consegue viver isolado não está considerando a primeira infância. Um bebê sem o cuidado de outras pessoas é um ser extremamente indefeso. E este é um ponto importante para quem se sente contra a sociedade, ou seja, olhar para o passado também com o sentimento de gratidão para todos os que cuidaram enquanto um ser pequeno e indefeso.
Mas a dicotomia entre o indivíduo e a sociedade tem outros aspectos.
Adaptação a uma sociedade doente
Por exemplo, deveríamos nós nos adaptarmos a uma sociedade doente? Um dos meus professores de ética disse certa vez que o critério da ética não pode ser fundado exclusivamente na adaptação social. Porque imagine a cena: você nasce na Alemanha na década de 1920 e no começo da 2° Guerra Mundial tem que se alistar. Você pode se adaptar à sociedade em que está e se tornar um nazista, um criminoso de guerra. Contudo, fica claro que esta adaptação social não é ética, moral, ou, em resumo, positiva ou boa.
Adaptação total X Originalidade
Um outro aspecto, creio que ainda mais importante do que o anterior, é que a adaptação social completa – mesmo em sociedades relativamente estáveis e pacíficas – acaba excluindo um fator dos mais importantes para o desenvolvimento de todos: a originalidade.
Por definição, se adaptar socialmente significa fazer o que as outras pessoas esperam que seja feito. Uma pessoa totalmente normal é justamente aquela que segue todas as normas e não sai do script. Se todas as pessoas que viveram antes de nós tivessem feito só o que era delas esperado, não teríamos tido progresso algum.
No máximo, talvez, um progresso linear, lento, moroso. A diferença entre fazer progredir algo que aí já está e criar algo novo. Se temos uma carroça, podemos melhorá-la, mas ainda assim estaremos presos ao que foi feito antes (a carroça).
Portanto, neste caso das criações, se nos adaptarmos e sermos tradicionais, veremos um progresso (quando muito) muito devagar e que vai levar séculos e séculos e séculos.
O famoso lema da Apple, Think different, pense diferente, procura criar na cultura organizacional da empresa mais o espírito de contestação e originalidade do que o de adaptação.
Se avaliarmos também a história ocidental, veremos que as mudanças positivas que foram realizadas vieram de sujeitos que foram capazes de contestar, de pensar por si mesmos, de enfrentar o status quo, de questionar, perguntar, discutir.
E esta é uma das diferenças provocadas pela ciência. A ciência está sempre propondo novas perguntas, questionando os dados, as fontes, os autores. Epistemologicamente, o princípio mais importante da ciência é de que o argumento de autoridade deve ser derrubado. Em outras palavras, o conhecimento produzido por mim, pelo meu vizinho, por um pesquisador na Groenlândia tem o mesmo valor, desde que seja possível falseá-lo (o famoso princípio do Popper).
Quer dizer, no fundo, vemos que a ciência (e a filosofia que lhe deu origem) baseiam-se no questionamento do que foi produzido anteriormente, em suma, no questionamento do conhecimento social anterior.
Identidade-eu X Identidade-nós
A dificuldade de adaptação social para um indivíduo nos dias atuais não é muito diferente da dificuldade de adaptação em séculos anteriores, a não ser pela introdução de um fator que foi se consolidando desde a Renascença, que é o da individualidade.
Autores como Norbert Elias apontam que com o decorrer dos últimos séculos o pêndulo da balança foi cada vez mais indo da identidade-nós (identidade de grupo) para a identidade-eu (identidade individual).
Em outras palavras, seria como se a sociedade ocidental, aos poucos, fosse instigando cada vez mais cada um a ser como quiser, como se dissesse: “seja você mesmo!”
Entretanto, este imperativo pode ser muito angustiante. Como descobrir quem somos?
Muitas vezes, a resposta acaba surgindo do conflito entre o que os outros esperam e a percepção de que fazer o que os outros esperam não traz felicidade. Desde o pai que quer que o filho tenha a sua profissão ou religião até pelo que é pensado como normal (faço isso porque todos fazem)… são milhões de exemplos que poderíamos levantar para este tipo de insight. A percepção pelo indivíduo de que o que imaginaram para ele não é o que ele de verdade quer.
Eu não sou daqui
De certa forma, não é possível generalizar o sentimento de não-pertença a um grupo. Esta sensação de que não é possível ou que não é o melhor para si fazer o que os outros esperam apresenta muitas facetas. Entretanto, um exemplo que considero paradigmático é a experiência de ser estrangeiro ou mudar para uma outra região.
Ser estrangeiro é ser visto como um estranho em meio a uma sociedade estranha. Vemos como muito do que achamos normal vem da nossa origem cultural anterior e todo o tempo temos que lidar com o olhar “torto” de quem às vezes até tenta ser simpático, porém a aceitação nunca é total.
Não precisamos sair do país nem mudar de estado para sentirmos deste jeito. E aqui acaba aparecendo uma outra ideia que não devemos desconsiderar: não existe a sociedade como um todo. Uma sociedade é sempre uma soma de indivíduos, certo? Estes indivíduos, por sua vez, se organizam em grupos menores, geralmente por afinidades econômicas, religiosas, políticas, musicais, enfim, por semelhanças maiores ou menores.
Portanto, temos que ter em vista que o sentimento de não pertencimento não ocorre com uma ou outra pessoa. Virtualmente, aparece menor ou maior grau para todos, pois, se retirarmos o indivíduo de seu meio “natural”, ele se sentirá deslocado e incomodado com o comportamento diverso de outro grupo.
Conclusão
Como disse no começo, este é um tema bastante complexo que envolve uma série de aspectos que devemos compreender a fundo. Nem sempre a não adaptação a um grupo social é uma falha individual. O indivíduo pode não querer se adaptar a um meio perverso. O indivíduo pode estar, digamos, à frente do seu tempo ou ter características de personalidade que o tornam mais desigual do que seus supostos iguais.
Caso queiram, podemos continuar nos comentários!
Olá Felipe, tudo bem?
Essa é uma questão realmente complexa.
Costumo dizer (dentro da minha casa) que a sociedade é um tanto quanto “hipócrita e recalcada”.. . Vou citar um exemplo:
Estávamos minha família e eu num evento da minha igreja (católica), era o dia da família. Confesso que eu estava muito feliz, todos reunidos, meu marido e a super prole rsrs… Em alguns momentos eu dadançava com meu filho no colo, na época ele era bebê, enfim, no outro dia, minha sogra esteve na minha casa e comentou (o que seria o comentário das beatas): …”tem gente que vêm pra igreja pra dançar”..
É claro que o comentário foi p mim, pq acho que eu era a única pessoa realmente feliz naquele lugar.
Resumindo: a mesma igreja que prega a felicidade, é a mesma que tripudia a sua felicidade. Para alguns, não tem nada de mais dançar ou fazer gestos numa igreja, para outros é “pecado”. Aí para parecer “normal” nessa sociedade (a igreja), somente mexo a boca rsrs… Esse é só um pequeno exemplo de muitos que acontecem por aí a todo momento.
Por este motivo costumo dizer que somos de fato todos recalcados. ..
Grande bjo!!
Felipe, excelente tema! destaquei […] A dificuldade de adaptação social para um indivíduo nos dias atuais não é muito diferente da dificuldade de adaptação em séculos anteriores, a não ser pela introdução de um fator que foi se consolidando desde a Renascença, que é o da individualidade. Abs,
Olá Felipe!
Achei perfeito seu texto, o fato de nós sentirmos dificuldade de estarmos em um meio, com o receio de nossas idéias não serem bem vindas muitas vezes faz com nos afastemos das pessoas e assim perdermos a oportunidade de fazermos uma amizade e adquirir mais conhecimento com nosso próximo, e infelizmente ás vezes nós mesmos acabamos rejeitando alguém de entrar no nosso grupo de amizades só pelo fato da pessoa não ter os mesmos gostos e interesses que nós temos, essa atitude nossa acaba minando a oportunidade de crescermos pessoalmente e em sociedade.
Abraços.
Já no final do texto uma frase me chamou atenção em de repente se achar a frente do seu tempo. Eu em muitos casos me sinto assim. Por exemplo, participei durante 12 anos de uma igreja evangélica (Batista) que tem um pensamento moderado, mesmo assim meus pensamentos diferenciavam-se dos demais e entrava em constante conflito, no que eu entendia sobre evangelho, como algo libertador e na minha compreensão do que seria ele na essência e não no discurso, principalmente a pratica, em ser respeitado os que pensam diferentes e por ai vai. Na verdade com o tempo aprendi q a igreja faz parte de um micromundo que vivemos e que tem algo muito maior lá fora, ou seja, ela tem sua importância, mais não é o órgão que tem que reger nossas vidas. Não deu outra, hj não tenho um local fixo, para comunga da mesma fé, e não vejo aquela importância, por mais que tenha vontade de está em muitos momentos, mais sem o atrelamento (coisas que na pratica os mesmos acham impossível essa vivencia).
Alem disso ideias de valores e juízo muito diferentes das pessoas com quem convivo.
Exemplo disso porque essa busca incessante por felicidade e a garantia que é feliz alcançando justamente o que a sociedade dita que é preciso para ser feliz?! Isso tem haver com o que é bombardeado em nós pela mídia e pela cultura onde nos encontramos, sobretudo, materialista?!
Tenho um amigo, que entre uma partida de Street Fighter, rsrrsrs, dialogamos, divergimos, concordamos e filosofamos por horas. E a pergunta que faço a ele é o por que de nós ficarmos nos preocupando que questões existenciais, enquanto creio eu boa parte da população vive em seu “matrix” felizes. Onde essa busca pelo conhecimento, leitura, assuntos que para muitos são insignificantes, ganham para nós dimensões astronômicas.
Onde quero chegar com essa fala?
É o que comento com ele: Será que somos mentes incompreendidas neste processo todo, visto como excêntricos, com problemas de se relacionar com o outro (como já fui taxado) ou estamos a frente do nosso tempo? Porém está última não gosto de assumir pelo fato de ser pretensiosa demais.
Interessante o exemplo Marcela!
Em muitos momentos, se formos ouvir o que os outros falam (ou imaginar o que poderiam pensar), simplesmente ficaríamos paralisados!
No fundo, penso como Epiteto, temos que levar em conta o que podemos controlar (enquanto indivíduos) e tomar conta apenas disso – o que já é muito às vezes, rsrs.
Veja o texto – O que você pode e o que você não pode controlar
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Raquel!
Sim, essa questão da individualidade é muito interessante porque ser um indivíduo é ser um ser único (indivíduo vem do que não se divide, do que não se repete). O lema seja você mesmo nem sempre é fácil! Seja você mesmo e ainda se adapte!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Oi Lucas!
Então, existe um livro que (apesar de ser de autoajuda) eu gosto muito sobre este assunto. Chama-se “Como fazer amigos e influenciar pessoas”.
A tese mais central é que, para fazer novos amigos, devemos retirar o foco do eu e passar para o outro. Quer dizer, tentar ser assim ou assado para agradar, não funciona. Ou melhor, funciona bem menos do que demonstrar interesse no que a outra pessoa gosta, pensa, faz, diz, etc.
Assim, podemos ser amigos de qualquer pessoa – ainda que ela seja diferente de nós – porque vamos querer conhecê-la e não fazê-la se adequar à nossa perspectiva. Afinal, todo mundo gosta de de falar de si ou falar do que prefere, almeja, faz, etc.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Gera Wellington!
Essa questão da originalidade e, de certo modo, estar à frente do tempo (ou das pessoas ao redor) é curiosa. Por um lado, baseia-se ou pode despertar um senso de autoconfiança e otimismo. Por outro é até complicado porque teríamos que comparar a nossa vida com as dos demais e isso talvez desperte o sentimento oposto, de complexo de inferioridade.
A saída, em minha opinião é parar de se comparar.
Veja aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2014/07/por-que-voce-deve-parar-de-se-comparar-com-os-outros.html
Mas note bem, isso não significa que devemos colocar também os outros em pedestais…
Esse vídeo do Steve Jobs é fantástico para entender bem esse ponto importantíssimo!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ótima matéria, parabéns.
Na empresa onde trabalho, uma grande multinacional existem alguns fatos curiosos.
Ex: Na fábrica os relacionamentos são determinados pela pessoa gostar de futebol e determinados times de futebol. Nada contra futebol, é um esporte e cada um faz o que gosta, mas em alguns setores o cara só vai para frente se jogar futebol com o time do chefe e torcer no mesmo time. Já ouví um supervisor dizer em uma reunião, que aquela pessoa que for convidada para um churrasco na casa de praia dele e não for, nunca terá chance alguma na carreira com ele.
Isto é dificuldade de adaptação social ??
Se a pessoa não gostar de futebol será discriminada, mesmo sendo um bom profissional.
quem está certo e errado nesta história ?
Olá Charles,
Esse é um exemplo excelente. Em princípio, poderíamos pensar que se trata de um certo favoritismo. Porém, imagino que a lei da reciprocidade explica melhor.
Veja o texto – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2014/07/o-que-e-reciprocidade-curso-de-psicologia-da-persuasao-gratis.html
No caso, o funcionário oferece (de bom grado) a atenção, o seu tempo, a vontade para jogar no time do chefe e este, talvez até sem perceber, acaba favorecendo o funcionário que foi jogar.
Se for isso mesmo, não penso que é uma questão de certo e errado. Agora, pensar conscientemente sobre o que pode ser feito já pode gerar certos questionamentos éticos: devever-se-ia jogar no time apenas para conseguir subir na carreira?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
“Às vezes eu vejo coisa que ninguém vê.” Renato Russo
Quem é autônomo, preza sua individualidade e traça seu próprio caminho, geralmente não é compreendido pelo sujeito massificado ou normal.
Olá Mauro!
Legal você ter lembrado desse frase! Acho a obra do Renato fantástica!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Bom dia professor, gostei muito do texto ! Era justamente o que procurava…tenho uma filha que é linda! trabalha em home office, o seu trabalho é totalmente online, e isto me preocupa, a falta da socialização, “corpo a corpo”. qual poderia ser o meu comportamento para auxiliá-la ? fiz até análise para eu ter um norte. Parabéns pelas suas palavras.
Olá Dinise,
Esses dias vi uma frase de um dos criadores do google que disse que a internet vai acabar. Quer dizer, vai acabar como conhecemos e vai se tornar parte tão integrante do nosso dia a dia (na nossa ligação com os eletrodomésticos, carros, motos, etc) que nem vamos nos lembrar como seria antes sem internet. Assim como mal sabemos hoje como é viver sem eletricidade.
Portanto, a questão nem é tanto o tempo que passamos conectados, mas sim a dependência ou a dificuldade de interação social, em outros contextos.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Tenho dificuldades com as pessoas,prefiro ficar só…fico mais confortável…mas com algumas pessoas fico a vontade.