Conheça as concepções do criador do conceito de complexo de inferioridade sobre as questões de gênero e as suas críticas às ideias de que a mulher é naturalmente um ser inferior.
Olá amigos!
Continuando o nosso Curso Psicologia Individual de Adler, hoje vamos descrever as concepções de Adler a respeito das relações entre os gêneros feminino e masculino. Mais especificamente, como a mulher – em uma sociedade patriarcal – vem sendo identificada com a inferioridade e como este estado de coisas é prejudicial não só para ela como para todos.
1) A bissexualidade e a divisão do trabalho
Adler começa o texto fazendo um resumo do que viemos tratando em nosso curso:
“Pelas nossas considerações antecedentes, ficamos sabendo que duas grandes tendências dominam os fenômenos psíquicos. Estas duas tendências – o senso de sociabilidade e o senso de superioridade ou dominação – influenciam a atividade humana e governam a atitude fundamental do indivíduo em sua luta pela segurança, e pela satisfação das três grandes exigências da vida: o amor, o trabalho e a vida social” (ADLER, p 123).
O que devemos guardar desta breve citação são as duas grandes tendências: a vida em sociedade e a superioridade ou inferioridade. Afinal, se não vivêssemos em sociedade não faria sentido uma comparação com os outros ou a tentativa de dominar ou sobrepujar. Mas, como vivemos em grupos sociais, temos que nos adequar ou procurar transformar o que nos é apresentado.
Por exemplo, no trabalho frequentemente temos que lidar com pessoas que estão em cargos mais “altos” (e nos submeter às ordens) e com pessoas que estão em cargos mais “baixos” (e dar ordens). Trazendo esta divisão social do trabalho para o campo da discussão das questões de gênero, veremos que há uma identificação – totalmente equivocada – entre a posição subalterna e a mulher. Ou seja, a sociedade até os dias atuais tenta colocar a mulher uma posição inferior.
É claro que, temporalmente, o texto de Adler dista quase um século. Entretanto, muito do que ele diz (quase que prevendo o futuro) ainda acontece.
O predomínio do homem sobre a mulher na civilização atual
Adler escreve: “A divisão do trabalho se fez de tal arte que, ao grupo privilegiado, o dos homens, foram garantidas certas vantagens, decorrentes de sua dominação sobre as mulheres” (ADLER, p. 125). E lembra, também, que durante séculos se discutiu no âmbito da teologia cristã, se as mulheres teriam ou não alma. Como ele menciona, o tempo da caça às bruxas acabou, felizmente.
Entretanto, apesar dos esforços das lutas feministas terem trazido diversas modificações importantes, é digno de nota o fato de que as mulheres normalmente ganham menos do que os homens mesmo desempenhando função idêntica. Ou, se ganham salário igual, tem sempre que provar a sua capacidade – só pelo fato de ser mulher.
E isto é visível, ainda em nossos dias, desde a infância. Adler diz:
“Desde o dia de seu nascimento, [o menino] é logo recebido com grande entusiasmo por ser um menino e não uma menina. É bem sabido que, com grande frequencia, os pais preferem ter filhos homens a ter filhas” (ADLER, p. 128).
É importante lembrar também que a linguagem cotidiana pode ser extremamente parcial e enganosa. Por exemplo: “certos traços de caráter são considerados masculinos e femininos, posto que não haja base alguma para tal classificação” (ADLER, p. 129). E mais a frente: “Uma das piores consequencias do prejuízos à inferioridade da mulher, é a classificação feroz dos conceitos de acordo com o critério dessa inferioridade: assim, ‘masculino’ significa valioso, poderoso, vitorioso, capaz, ao passo que ‘feminino’ equivale a obediente, servil, subalterno” (ADLER, p. 135).
Assim, com a idealização do papel masculino, com a maior dominação masculina, a menina frequentemente não encontra um ponto de referência.
A deserção da feminilidade
“As evidentes vantagens de ser-se homem tem causado sérias perturbações no desenvolvimento psíquico das mulheres – e, em consequência dessas perturbações, há uma quase geral insatisfação com o papel feminino” (ADLER, p. 135). O criador da Psicologia Individual cita 4 possíveis tipos a partir desta deserção da feminilidade:
1) A mulher que se identifica com a masculinidade: “Faz-se extraordinariamente enérgica e ambiciosa, e luta incessantemente para vencer nos torneios da vida. Procura ultrapassar os irmãos e colegas do sexo masculino, prefere atividades geralmente considerados privilégios dos homens, interessa-se por desportos, etc. Muitas vezes evita o amor e o casamento” (ADLER, p. 136).
Ao educar os filhos, se os tiver, será excessivamente brava e enérgica, recorrendo a castigos, punições e ameaças para tentar coagir seja o filho ou a filha.
2) A mulher que se sente inferior e se identifica com esta posição: “Apresenta um grau quase incrível de adaptação, obediência e humildade (…) Apesar disso, se faz habitualmente acompanhar de moléstias nervosas, como se dissesse: ‘Como é triste a vida!’ (ADLER, p. 136).
3) A mulher que se sente inferior e defende a superioridade masculina: “Convencida da inferioridade das mulheres (…) ajuda a avolumar o côro de vozes que entoa os louvores do homem como o ente que faz e cria – e exige para ele, uma situação especial” (ADLER, p. 138).
Na educação, as mulheres do segundo e do terceiro tipo são submissas e chamam o pai para resolver os problemas ou para ameaçar com punições.
4) A mulher que esconde a sexualidade: “A insatisfação contra o papel feminino ainda se demonstra com maior evidência nos casos das moças que fogem à vida comum por algum dos tais motivos a que chamam ‘nobres’. Constituem casos dessa espécie as freiras e outras mulheres que se dedicam a trabalho para o qual seja indispensável o celibato” (ADLER, p. 139).
A hostilidade entre o homem e a mulher
Como é evidente para qualquer observador atento, a identificação entre o papel dito masculino (superior) e o papel dito feminino (inferior) é motivo para desentendimentos, confusões, brigas, ressentimentos – o que Adler chama de hostilidade:
“O erro da inferioridade da mulher, e seu corolário – a superioridade do homem – perturbam constantemente a harmonia entre os representantes dos dois sexos” (ADLER, p. 146).
Estas concepções erradas são criações do meio: ” a criança em sua inferioridade não é congenita mas embutida pelo ambiente em que vive” (ADLER, p. 149).
Conclusão
Não obstante o fato de que o texto de Adler é do início do século XX, a maior parte de suas concepções são atuais. Neste texto, procurei citar os trechos mais importantes do capítulo “O homem e a mulher” do livro A Ciência da Natureza Humana, pois sei que é um livro difícil de ser encontrado. Apesar das diversas citações, não sei se ficou totalmente claro o ponto de vista de Adler.
Em resumo, o criador da Psicologia Individual possui uma perspectiva progressista e, com o uso correto da palavra, feminista. Ou seja, ele não defende uma posição superior dos homens. Pelo contrário, vai contra a sua época que preconizava a posição inferior da mulher (inclusive refutando a suposta inferioridade biológica).
Como excelente psicólogo e médico que era, Adler não poderia concordar com colocar a metade da população mundial em uma situação de prejuízo psíquico. Mas, como já é sabido dentro do movimento feminista, a maior dificuldade para uma mudança maior é a própria mulher, que ainda se vê nesse posto de inferioridade frente ao homem. Como ela se vê assim, ela passa isso para as gerações seguintes. Talvez de uma maneira mais forte, ainda, do que os homens infantis que, se sentindo inferior e querendo ser superior aos demais, procuram inferiorizar o “sexo frágil”.
No próximo texto de nosso Curso, falaremos sobre A ciência do caráter.
Olá, Felipe!
Estudando filosofia prática, na Associação Cultural Nova Acrópole, eu aprendi sobre as “polaridades” do masculino e do feminino em todos os “corpos” do ser humano. Por exemplo: no corpo físico o homem é +(positivo) e a mulher -(negativo); em volta deste corpo físico tem o corpo energético, onde o homem é – e a mulher +; depois disso vem o “corpo astral” ou o emocional sendo o homem + e a mulher – e por fim (pra não entrar nas questões espirituais) viria o mental com homem sendo – e mulher +. Se escrevermos isso em linhas, começando de baixo (físico) para cima, veremos que um é oposto ao outro, mas que juntos, se complementam. Eu acredito muito que se o homem e a mulher tiverem consciência de que um complementa o outro, não querendo com isso competir e sim se ajudar, esta questão de inferioridade ou superioridade tenderão a desaparecer. No bom português poderia dizer “cada macaco no seu galho”.
É sempre bom ler seus textos, eu aprendo muito e reflito também.
Um abraço.
Olá Eliane, tudo bem?
Eu conheço o trabalho da Acrópole! É fantástico! Pessoas próximas a mim já fizeram (eu não tive oportunidade de fazer ainda).
Acrescentaria a esta descrição apenas que não temos que valorizar ou desvalorizar as características específicas e nem, também, vincular de uma maneira rígida o + ou o – com cada gênero. Afinal, existem pessoas e pessoas e muitas não estão nos dois extremos (o que pode ser um sinal de equilíbrio e união dos opostos).
Quando digo valorizar ou desvalorizar é, por exemplo, quando dizemos que o – é pior ou que o + é melhor: ser passivo (-) (ying) ou ativo (+) (yang) como atividade psíquica tem suas vantagens e desvantagens. Tudo depende das condições do momento e da presença de certo equilíbrio para não ser extremado e desbalanceado.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Caro Doutor Felipe
A um só tempo, eu o amo e o odeio. Amo o competente psicólogo e a informação e educação que seus doutos textos estão me dando. O ódio fica por conta exatamente da qualidade de sua literatura. Pela excelência quero ler e ler e ler mais. Tudo bem, não fosse outra literatura, a profissional, que preciso ler ( o que não significa sem prazer). Estou lendo seus textos sôfrega e dinamicamente, é o máximo que o tempo me permite. Por isto fico lhe devendo um comentário mais dirigido. Está bom demais! Um orgasmo! Obrigado. Não me cansarei de agradecer.
Caro Luis,
Obrigado! Vá lendo na medida do possivel!
Atenciosamente
Felipe de Souza
Otimo texto. Estou estudando psicologia de Genero e foi muito importante pro meu conhecimento esse texto. Obrigado e PArabéns
Qual livro do Adler você usou para fazer esse texto?
A Ciência da Natureza Humana.