Se você deixa tudo para fazer depois (procrastina), este texto sobre o livro A Arte de Procrastinar pode te trazer alívio e te ensinar como usar a procrastinação estruturada a seu favor.
Olá amigos!
Procrastinar significa deixar para depois. Significa acumular muitas tarefas e talvez até extrapolar alguns prazos. O livro do filósofo de Standford John Perry, A Arte da Procrastinação, tenta explicar porque temos esta tendência, retirando a culpa de quem é um procrastinador costumaz e dá dicas de como utilizar esta característica normalmente considerada negativa.
Além de ser um livro engraçado, A Arte da Procrastinação realmente traz para quem é um procrastinador uma sensação de alívio e até de paz. Afinal, pessoas que procrastinam (como eu), podemos facilmente a começar a sentir culpa, talvez remorso ou uma sensação de pesar, como se as coisas pudessem ser diferentes.
Acontece que a procrastinação tem os seus benefícios, como quando deixamos de fazer alguma coisa que depois acaba ficando desnecessária. Por exemplo, quando você precisa ligar para uma pessoa para convidá-la para uma festa do trabalho. Por algum motivo ainda não analisado, você não quer falar com a pessoa, nem quer ir na festa. Então, você adia esta tarefa para ser recompensado de não fazer a tarefa quando a festa é cancelada.
É claro que o lema “nunca faça hoje o que você pode fazer amanhã” acaba sendo um lema que não pode ser levado ao pé da letra. Mas vamos aos motivos porque procrastinamos e como utilizar a procrastinação não contra, mas ao nosso favor.
Por que procrastinamos?
Bem, como todo bom psicólogo sabe aos montes, as pessoas são diferentes. Tão diferentes que é incrível – na verdade – que possa haver algo como uma sociedade que as una. Enquanto alguns indivíduos tem a habilidade de começar um projeto e só parar quando concluem, existem outras que demoram para começar. Aliás, adoram começar, mas depois param para fazer uma outra coisa qualquer. E, depois, vão adiando, adiando (mas adiar não significa preguiça, porque o processo de adiar envolve fazer atividades mas não aquela que deveríamos fazer), e o adiamento continua, até que um dia, a tarefa é finalmente concluída.
Um motivo que creio que John Perry acertou em cheio, em seu livro cheio de humor, foi ao delinear a relação entre procrastinação e perfeccionismo. Ele conta que recebeu a demanda de uma editora para dar um parecer sobre o manuscrito de um jovem autor.
Tarefa: ler o manuscrito e escrever um breve texto com considerações.
Tendo recebido a tarefa, que poderia concluir em algumas horas, ele começou a pensar que deveria encontrar alguns artigos relacionados na famosa plataforma de artigos acadêmicos JSTOR. Como ele queria fazer isto em casa, teve que aprender como mexer no servidor proxy para configurar o sistema. Com isto, ficou horas configurando e a tarefa ficou para depois.
Com os outros afazeres diários, ele deixou então a tarefa para depois e para depois até que recebeu um email da editora pedindo uma notícia sobre quando o parecer seria entregue. Com a data combinada ultrapassada, ele sentou e escreveu.
O autor diz que, neste caso: “procrastinar era uma maneira de me dar permissão para fazer de forma não tão perfeita tarefas que não exigiam um trabalho perfeito. Em teoria, enquanto o prazo final estava distante, eu tinha muito tempo para ir até a biblioteca ou me preparar para uma longa noite em casa e fazer uma avaliação completa, acadêmica e perfeita deste livro. Mas quando o prazo se aproximou não havia mais tempo para fazer um trabalho perfeito, mas adequado. As fantasias de perfeição foram substituídas pelas fantasias de fracasso total. Então finalmente comecei a trabalhar no parecer”.
Em outras palavras, em um primeiro momento, ele avaliou que deveria fazer um parecer perfeito. Irrepreensível. Completo. O melhor. Para tanto, arrumou tarefas que não eram necessárias (como arrumar o servidor proxy para ler o JSTOR). No dia seguinte, a tarefa de escrever o parecer ficou perdida entre outras.
Depois que o prazo foi extrapolado, ele abandonou a ideia de escrever um parecer perfeito (a ideia do perfeccionismo é imaginar que devemos fazer tudo com perfeição, o que não existe de fato). Abandonando a ideia da perfeição, ele começou a imaginar como seria desagradável furar com a editora e passou a imaginar o fracasso que isto poderia representar na relação com a mesma. Com isso, mudou o foco e, ao invés da perfeição, teve como ideal escrever um parecer correto e adequado.
Sem ter o peso da perfeição em cima, a tarefa ficou mais leve e fácil. E foi completada logo em seguida.
O que é procrastinação estruturada
Bem, pessoas que são procrastinadoras habituais não são pessoas preguiçosas ou molengas. Elas simplesmente tem uma forma de estruturar o tempo e a sua rotina que não é tão linear e ordenado.
Mas em última análise – e é nisso que fiquei pensando depois de ler o livro – todos nós somos procrastinadores. Todos nós deixamos tarefas para serem feitas depois, pois não é possível (de verdade) fazer tudo ao mesmo tempo, certo? Temos que selecionar e fazer o que é prioridade. Temos que ter uma lista, escrita ou imaginada, do que temos que fazer.
A diferença entre uma pessoa que procrastina mais (e é uma procrastinadora habitual) e uma pessoa “normal” (que procrastina mas com menos frequência e mais ordem) é que a última raramente deixa as coisas para serem feitas no limite. E raramente perde prazos.
Como a procrastinação pode ser uma característica de personalidade extremamente forte e difícil de mudar (eu associo a procrastinação com o tipo intuitivo na tipologia de Jung), o procrastinador que se sente incomodado e culpado pode realizar algumas mudanças simples para facilitar a sua vida:
Primeiro, criar uma lista das tarefas para serem feitas no curto prazo (6 meses).
Segundo, criar uma lista para ser feita no dia de hoje.
Com as duas listas em mente, teremos o que é mais importante e o que é menos importante. E é típico da procrastinação que o que é mais importante seja feito depois do que é menos importante.
Por exemplo, se eu tenho um artigo científico para ser entregue daqui a 7 dias úteis eu tenho um prazo muito curto para escrevê-lo. Este item, então, estaria no topo da minha lista de prioridades. Entretanto, eu posso deixar um pouco para depois e escrever este texto ou posso ler o livro sobre procrastinação ou posso terminar um curso que estava enrolando para terminar já há seis meses.
Em qualquer uma destas alternativas para não ter que escrever o artigo agora, eu estou realizando. Tanto é que terminei o longo curso, li o livro e estou agora terminando o texto. É claro que o artigo científico foi um pouco procrastinado, mas nesse meio tempo realizei três atividades que estavam na minha lista.
Ou seja, quando procrastinamos, mas de uma maneira mais estruturada, vamos completando tarefas que estavam ali para serem feitas. Só que eram sempre adiadas.
A dica de Perry é entenderemos esta lógica e a utilizarmos a nosso favor. E a pergunta que fica rondando é: “e o artigo científico, o mais importante que eu tenho que fazer nesta semana?”
Bem, novamente, com o prazo curto vamos passar do ideal para o factível, do perfeito para o adequado. Com isto, o peso vai diminuir e poderemos fazer o trabalho sem perfeccionismos. Além disso, com o prazo curto, teremos necessariamente que parar com toda e qualquer interrupção, senão não daremos conta. Com isso, nos dedicaremos em uma tacada no que temos que fazer e a tarefa vai fluir e ser realizada com mais rapidez.
E, por fim, sem interrupções, poderemos programar de uma forma que a tarefa que parecia perfeita e até inatingível seja dividida. Dividir uma tarefa grande, como sabemos, em pequenas tarefas fáceis de fazer é a melhor estratégia para superar a desmotivação.
Pode parecer bobagem, mas só de escrever o título do artigo, o resumo, as palavras-chave e as referências bibliográficas, eu já comecei e tendo começado (e se não parar por nenhum interrupção) em pouco tempo terei terminado.
Conclusão
O único problema do livro “A Arte da Procrastinação“, em minha opinião, é que ele é um livro curto com cerca de 130 páginas. Isto pode ser uma vantagem para quem não gosta de ler muito e também pode ser um ponto a favor porque é possível lê-lo do começo ao fim.
Entretanto, ficamos sim com vontade de que o autor tivesse escrito mais. E isto é um elogio. O livro é muito bem escrito e muito engraçado. Além do que disse neste texto, Perry dá outras dicas interessantes como se cercar de pessoas que não procrastinam, entender sobre o seu modo de organizar os objetos (se verticalmente ou horizontalmente), utilizar músicas animadas para entrar no ritmo, entre outras.
Em minha opinião, vale a pena comprar o livro.
No texto eu associo a procrastinação com o tipo intuitivo de Jung. Para quem quiser saber mais, temos o Curso em Vídeo, completo, sobre os Tipos Psicológicos. Veja gratuitamente a Lição 1:
https://www.youtube.com/watch?v=SM0qqtNWAQs
Sempre fui pontual com as minhas responsabilidades, atrasar: Nunca! pensando nessa exigência pessoal que só atrapalha, mudei. Hoje sou flexível em tudo. Procrastino com regularidade e sem remorso rsrsr. O melhor dessa mudança é perceber a importancia de cada coisa na sua vida. Nesse sentido achei esse parágrafo maravilhoso: “Bem, pessoas que são procrastinadoras habituais, não são pessoas preguiçosas ou molengas. Elas simplesmente tem uma forma de estruturar o tempo e a sua rotina que não é tão linear e ordenado”. Muito bom saber disso, bem vindo a vida! vou repassar esse texto para os perfeccionistas de plantão! Um bom final de semana pra você.
Muito legal a análise, realmente me tirou um peso das costas! Sou deste tipo que se culpa por procrastinar. Me culpo muito por não otimizar meu tempo para ler todos os livros, revistas e artigos que anseio. Isso causa um desconforto muito grande e gera sim esta desmotivação que você mencionou. Agora pelo menos vou respirar e tentar entender que, como diz a música: “sinhá, sinhá ora essa, devagar também é pressa!”
Um abraço, muito obrigada!
Aline
Olá Felipe!
Você não quer ser meu psicologo? Acredite! Parece que você
escreve só para mim…rsrs
Você manda muito bem nos seus textos… Sei que tem muita reflexão
em cima disto, e o resultado é percebido quando lemos…muito bom!!
Abraços!!
Rok
Olá Rok!
Obrigado!
Fico realmente muito feliz com sua avaliação!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Aproveitando o assunto, a quem interessar, um teste para identificar seu tipo de procrastinador:
http://www.playbuzz.com/sidartal10/que-tipo-de-procrastinador-voc
É baseado no livro de uma psicóloga chamada Linda Sapadin (“It’s About Time!: The Six Styles of Procrastination and How to Overcome Them”, Penguin Books, 1997).
Muito interessante. Teve uma época em minha vida em que eu estava procrastinando demais e isso me deixava muito angustiado. Por mais que eu quisesse completar uma tarefa, sabendo que aquilo era prioridade eu inventava qualquer outra coisa pra fazer. Daí teve o ápice do mal estar e a vergonha que a procrastinação me fez passar. Foi final do ano passado, uma fase dura…
Então fiquei alguns dias pensando em que eu poderia fazer para mudar o meu comportamento e por mais que eu tomasse algumas atitudes, ao final do dia eu me sentia o mesmo de sempre, um procrastinador inútil. Daí pensei que a mudança só é percebida por nós quando é radical. Ou seja, não basta mudar uma atitude aqui ou ali, ou a forma de pensar, no final você se sente o mesmo.
Eu mudei todo o meu quarto, e até a cama que eu nunca fazia, passei a fazer e hoje quando não faço sinto que meu dia não tá sendo aproveitado, fiquei meio que dependente disso, mas quando faço parece que reafirmo ter mudado de fato. O ambiente, a maneira que eu falava, desculpas…mudei tudo.
Outra coisa, antes eu pensava longe, e prometia pra mim mesmo fazer tal coisa, mas o tempo passava e eu não fazia. Hoje eu prometo a mim mesmo só coisas que eu tenho certeza absoluta que farei, em curto prazo, e são coisas simples, mas mais útil cumprir as simples do que divagar nas fantasias irrealizáveis. E isso me trouxe um sentimento de mediocridade latente Mesmo assim, isso é muito importante porque a cada nova tarefa realizada que veio de uma expectativa, quando realizada, a motivação é automática.
Porém nunca acreditei que as pessoas pudessem mudar, mesmo hoje, internamente não sinto que mudei a não ser pelo diferença gritante de meus hábitos de hoje comparado aos de antes. Me sinto como um procrastinador me enganando a todo instante, dependente de certo hábitos.A pergunta que me faço é até quando isso vai durar?
Eu acho que certos hábitos podem ser mudados, de forma positiva. Principalmente quando ocorre algum evento dramático como ocorreu comigo. Mas mudança de forma natural, que se torne natural, não sei. Eu gosto de psicologia e pretendo me graduar, mas me sinto hipócrita ao querer ajudar alguém, sendo que nem acredito que a pessoa possa mudar. Por isso sempre procurei estudar os campos da psicologia que visam simplesmente entender o comportamento humano e tudo me leva a pensar que somos meros animais. Professor Felipe, você passou por essas dúvidas?
Olá Mayke!
Sim, este tipo de autoquestionamento é bastante comum. Por isso sempre precisamos (ou pelo menos de tempos em tempos) estar fazendo terapia e/ou supervisão. Isto nos ajuda a clarear as nossas questões e a nossa forma de pensar.
Gosto da compreensão do Jung que diz que não devemos buscar a perfeição, mas sim a totalidade. Ser perfeito é um ideal irealizável (realizar tudo certo, no momento certo, dizer o que é certo, etc). Agora, encontrar a nossa totalidade, tudo o que podemos ser, todos os aspectos que podemos ser (criatividade, alegria, amor, interesse pelos outros, mas também a nossa profundidade e sentimentos não tão agradáveis como tristeza, medo, vícios) é encontrar quem somos.
Como exemplo gosto de citar o Fernando Pessoa. O Fernando Pessoa ele mesmo é só uma parte de quem é o Fernando Pessoa. Além dele, ele tem dentro de si aspectos incríveis como Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, entre tantos outros…
Com relação à procrastinação, a mudança de hábito é um esforço constante mesmo. Melhor dizendo, é até simples conseguir mudar um hábito, mas precisamos mantê-lo e precisamos, especialmente, fazer um esforço para criar um novo hábito.
Veja também este texto – Você é o que você faz com frequencia
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Eu tô bem numa fase assim, tudo fica pra outro dia. Mas após alguns anos de terapia, cursos diversos de autoconhecimento, mudança de estados (moradia) , trabalho e, sobretudo, vivência, acredito que sei o motivo, ou pelo menos é o que uso como desculpa; alcancei aos 35 tudo o que desejava até os 50 e uma vez conquistado todos os sonhos se esgotaram, pelo menos os que dependiam apenas de mim. Daí me vejo hoje assim, parado tudo o que começo não termino nada, tento definir novos projetos de vida, mas na atual condição Brasil, mundo não vejo nada que me apeteça.
Espero que não seja depressão, rs, me considero muito feliz e realizado para tal, entretanto, se continuar desse jeito, esta falta de esperança com a humanidade que me faz ficar estagnada acredito que possa desencadear algo não agradável para mim, a psoriase já surgiu há alguns anos e não me larga o que será que vira com o tempo?.
Será que estou certo ao pensar que minha procrastinação tem haver com isso? Considerando que sempre fui muito proativo e determinado, segundo amigos, um exemplo para muitos?
Sinto que tenho até atraído pessoas mais negativas do que antes.
Alan,
O psicólogo C. G. Jung descreveu a fase entre os 35 a 45 anos como metanoia ou metade da vida. Segundo ele, esta é uma fase muito importante de transformação, tão importante na psicologia do desenvolvimento como a adolescência. No que tange à procrastinação, é preciso pensar tanto no que se deseja obter de verdade como no que é preciso abandonar nos próximos anos.
Atenciosamente,
Felipe de Souza