Para C. G. Jung, “A psique objetiva é autônoma em alto grau. Se assim não fosse, não poderia exercer a sua função que é a compensação da consciência”. Saiba mais sobre o começo da elaboração do conceito de objetividade psíquica no Livro Vermelho.
Olá amigos!
Carl Gustav Jung, o fundador da Psicologia Analítica – e criador de conceitos utilizados em nosso dia-a-dia como extrovertido e introvertido e arquétipo – sempre mencionava que a psique não possui um ponto de Arquimedes através do qual poderia sair de si mesma para se autoanalisar. É uma referência ao grande matemático grego, Ἀρχιμήδης, que, em seus trabalhos com alavancas, disse: “Deem-me um ponto de apoio e moverei a Terra”.
Jung gostava de mencionar este princípio pois, assim como não podemos colocar uma alavanca no espaço para mover a terra, não podemos também sair de nossa psique. Embora isto represente uma verdade indubitável, ele também elaborou o conceito de objetividade psíquica, ou seja, a psique não é apenas e tão somente um amontado de características subjetivas, mas apresenta-se para o observador atento de maneira objetiva.
A objetividade psíquica para Jung
O começo da elaboração do conceito de objetividade psíquica está no Livro Vermelho, um livro de difícil definição, mas que pode ser pensado como um diário no qual Jung escreveu seus sonhos, pensamentos, visões, fantasias e imaginações ativas. Por apresentar narrativas, ou seja, aventuras e diálogos com personagens de seu mundo interior, o livro de igual modo pode ser pensado como literatura, embora ele gostasse de defini-lo como advindo da natureza, não como arte.
Independente do jeito que interpretarmos, há no Livro Vermelho uma passagem na qual Jung dialoga com Elias, um personagem enigmático e vidente que pertence ao mundo das profundezas, ao mundo do inconsciente. No capítulo “Instrução”, Elias argumenta que Jung achava que seus pensamentos eram dele mesmo, uma falsa verdade. Para Elias:
Tuas ideias estão tão fora de teu si-mesmo quanto as árvores e os animais estão fora de teu corpo (JUNG, 2013, p. 167).
Alguns anos mais tarde, no Seminário de 1925, Jung diz: “Só então aprendi a objetividade psicológica. Só então pude dizer a um paciente. ‘Fique calmo, algo está acontecendo’. Existem coisas como ratos numa casa. Não se pode dizer que alguém está errado quando tem um pensamento. Para compreender o inconsciente devemos ter nossos pensamentos como acontecimentos, como fenômenos” (JUNG, 2013, p. 167).
Em outras palavras, estamos acostumados a atribuir os nossos pensamentos à nossa consciência, ao nosso eu. Contudo, se observarmos bem, veremos que os pensamentos surgem e vão, nascem e morrem, aparecem e desaparecem, sem que muitas vezes tenhamos controle do processo. Este é, inclusive, um dos motivos que faz com que uma pessoa psicótica avalie os pensamentos, em seu sintoma, como vindos de outras pessoas, ou de fontes bizarras, como alienígenas ou perseguidores.
Para as pessoas que não vivenciam sintomas tão terríveis, a objetividade psíquica é útil no sentido de que permite, por um lado, a diminuição do sentimento de responsabilidade por todo e qualquer pensamento, e, por outro, alivia a tensão de ter que controlar tudo e excluir o que é incompatível com os pensamentos com os quais concorda.
É como no filme “O Pequeno Buda”, brilhantemente dirigido por Bertolucci, na cena em que o monge viaja de avião e vê a semelhança do seu funcionamento mental como as nuvens que se formam e desaparecem. Para este, o objetivo de meditar não é esvaziar a mente como muitos pensam e sim entender o processo de impermanência dos pensamentos, imagens, desejos e vontades que vem e vão como nuvens.
Em casos de neurose – a neurose, a grosso modo, significa um conflito psíquico no qual há a exclusão de uma parte incompatível – o sujeito cria, sem se dar conta disso, uma série de artimanhas para não pensar um pensamento. Como na neurose obsessiva, chamada hoje de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, no qual o paciente realiza comportamentos ritualísticos para, no fundo, esconder de si mesmo um pensamento impossível de ser pensado, como o caso relatado por Freud do paciente obsessivo que excluía o pensamento de desejo da morte do pai.
No livro Psicologia e Alquimia, Jung escreve sobre a psique objetiva:
Como a experiência mostra, a psique objetiva é autônoma em alto grau. Se assim não fosse, não poderia exercer a sua função própria, que é a compensação da consciência. A consciência é passível de ser domesticada como um papagaio, mas isto não se dá com o inconsciente. Por isso Santo Agostinho agradeceu a Deus por não tê-lo responsabilizado por seus sonhos. (JUNG, 2009, p. 56).
Aqui entram em jogo outras concepções, que nos levariam distante dos objetivos de um texto como este. O que é importante notar é a sabedoria de Santo Agostinho, que entendeu não poderia ser responsabilizado pelos seus sonhos. Jung vai mais além e vê que até os pensamentos que consideramos como nossos, também podem ser encarados de uma outra forma, como um elemento objetivo, como uma árvore.
Isto ajuda, com certeza, a ter coragem para se permitir pensar tudo e qualquer coisa, a ir aonde o pensamento for, seja uma profundeza abissal, seja uma profundeza celeste.
Olá Felipe, tudo bem? Como é complexo a questão do pensamento, consciência e objetividade. No meu caso, sendo leiga – para compreender um pouquinho só abstraindo. Fiquei perdida. Algo me diz que tenho que estudar muito para alcançar esse entendimento.
Bom, como eu considero uma área interessante, vou continuar por aqui aprendendo com os textos que você disponibiliza. Tenha uma boa semana.
Olá Raquel,
A psicologia cognitiva, na vertente da Mindfulness Psychology, incorpora muitas práticas orientais. Uma delas é a meditação vipassana. Veja aqui – Meditação vipassana – o que é e como fazer?
Com este técnica, podemos ver claramente como os pensamentos podem – também – ser observados de fora, como um elemento natural, uma pedra, uma árvore, um cachorro.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
muito bom
Olá Felipe!
Li o texto atentamente e tenho uma pergunta:
Quando estou lendo ou estudando algo, sempre sou invadida com outros pensamentos, que na maioria dás vezes demanda desatenção . Isso significa que não tenho controle sobre meus pensamentos?
Ah, ótimo texto!
Oi, eu gostaria de sabe se crise de existência, se sentir confusa, vontade de chora e sinal de que preciso ir ao psicologo com urgência ou algo norma sem tanta urgência de frequentar um?
Olá Francisco!
Obrigado meu caro!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Ritinha!
Bem, a concentração é uma questão de treino. Uma técnica simples é simplesmente notar toda vez que o seu pensamento ir longe e voltar para o que você está estudando ou lendo. Com o tempo, ao notar quando o pensamento quer ir longe, já conseguimos controlar antes de ele fugir, ok? rsrs
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Juliana,
Bem, procurar um tratamento é sempre uma escolha. Se você pensar que você poderá superar um momento difícil com psicoterapia, talvez seja fácil de ver que vale a pena buscar.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe!
Que texto bom, instiga-me a me questionar sobre os meus pensamentos…sei que sempre tive dificuldade em me concentrar nas aulas expositivas, sempre achei uma chatice e eu nas aulas ficava reparando quantos buracos tinha a parede da sala de aula, o quanto a veia do pescoço da professora de matemática aumentava quando ela nem parava pra respirar antes de entonar novas frases na tentativa de nos fazer aprender…ahahaha, até hoje não sei muito de matemática! Não sei se a didática, se a matéria, mas sempre estive a devanear. Depois fiz aulas de meditação, pratiquei ioga em locais apropriados e em casa, exercícios respiratórios. Na batalha pessoal contra os pensamentos, tudo me pareceu possível, desde um ET, obsessor, captação de pensamento alheio, criação minha e, depois dessa demanda toda, eu apenas os observo indo e vindo e também observo os longos silêncios mentais e, assim como santo Agostinho, agradeço a Deus por não me culpar de tê-los.
Abraço,
Malu
Olá Malu!
Que interessante!
Obrigado por compartilhar conosco suas experiências!
Atenciosamente,
Felipe de Souza