Olá amigos!
Uma querida leitora me pediu que escrevesse um texto sobre a homossexualidade para C. G. Jung. Quem conhece de forma aprofundada a obra do criador da Psicologia Analítica terá percebido que não há um texto único de Jung sobre o tema. Assim como acontece com outros assuntos, Jung faz algumas referências, traz alguns relatos de casos no qual ou a homossexualidade era reprimida ou aparecia como uma possibilidade (os outros verem o paciente como homossexual).
Com isso, não é simples descrever o que Jung pensava sobre a homossexualidade, já que não há um texto, muito menos uma obra específica no qual ele aborde todos os aspectos. Entretanto, penso que podemos preencher esta lacuna e começar a pensar sobre o tema a partir da sua então “obra mais importante”: o Livro Vermelho.
A Homossexualidade no Livro Vermelho
Embora também não possamos encontrar diretamente o tema da homossexualidade, vamos encontrar o embrião da sua teoria a respeito da anima (parte feminina na alma do homem) e do animus (parte masculina na alma da mulher).
No Livro Vermelho, que estudo no meu doutorado, ele escreve no dia 28 de dezembro de 1913:
“…a pessoa é masculina e feminina, não é só homem ou só mulher. De tua alma não sabes dizer de que gênero ela é. Mas se prestares bem atenção, verás que o homem mais masculino tem alma feminina, e que a mulher mais feminina tem alma masculina. Quanto mais homem és, tanto mais afastado de ti o que a mulher realmente é, pois o feminino em ti mesmo te é estranho e desprezível” (JUNG, 2010, 263).
Com esta citação, podemos começar a pensar sobre o que Jung considerava relevante para a homossexualidade e, também, para a heterossexualidade. No senso comum, as pessoas pensam a sexualidade como restrita ao corpo. Eu sou homem porque o meu corpo é de homem e ela é mulher porque o seu corpo é de mulher. E pronto. Porém, como fica claro para qualquer que queira entender melhor o funcionamento da psique, da alma (psique é alma em grego), terá que dar um passo além.
A vivência interna de um homem… é feminina ou masculina? E a vivência interna de uma mulher é masculina ou feminina?
Os opostos e os símbolos psíquicos
Na alquimia, cujo simbolismo Jung estudou extensamente em suas últimas obras, há sempre a oposição entre dois pólos e, como não poderia deixar de ser, há a oposição, a polaridade entre elementos sexuais. No início do Mysterium Coniunctionis, Jung escreve:
“Os fatores que se unem na coniunctio são considerados como opostos, que se opõe como inimigos ou se atraem amorosamente um ao outro. Trata-se primeiramente de um dualismo, por exemplo, dos opostos:
humidum (molhado) – siccum (seco),
frigidum (frio) – calidum (quente),
superiora (coisas do alto) – inferiora (coisas de baixo),
spiritus (espíritos, eventualmente, anima = alma) – corpus (corpo),
caelum (céu) – terra (terra),
ignis (fogo) aqua (água),
coisas claras – coisas escuras,
agens (agente ou ativo) – patiens (paciente ou passivo),
volatile (volátil ou gasoso) – fixum (sólido),
pretiosum (precioso; eventualmente carum = caro) – vile (vil ou barato),
bonum (bom) – malum (mau),
manifestum (manifesto) – occultum (oculto; respectivamente celatum),
oriens (o oriente) – occidens (o ocidente),
vivum (vivo) – mortumm (morto),
masculus (macho) – foemina (fêmea ou mulher),
Sol – Luna (JUNG, 2011, p. 19)
Eu fiz questão de citar este trecho porque através dele podemos ver algumas oposições que também reaparecem em nossas concepções do que é o masculino e do que é o feminino. Uma mulher ativa, pró-ativa como dizem os candidatos a vagas de emprego, pode ser considerada máscula. Um homem pacífico, passivo, calmo pode ser considerado mulher. Em diversas culturas, também é fácil de notar a associação entre o homem como o bom (bonun) e a mulher como o mal (ou a que traz o mal para o mundo).
Retomando a nossa citação do Livro Vermelho, que não é um livro acadêmico, é muito mais uma espécie de diário escrito durante 16 anos, nós podemos passar a compreender melhor as polaridades do gênero.
Afinal, o que define a homossexualidade ou a heterossexualidade? Será que se formos apenas pela associação de homem – ativo e mulher – passivo não estaremos simplificando e, pior, acabando com a questão sem ter explicado nada?
Por exemplo, quantos e quantos homens viris, másculos, malhados, ratos de academia, que vendem para todos essa imagem de homem alfa, não escondem em sua privacidade ou em seu íntimo o fato de serem homossexuais? E quantos e quantos homens frequentemente vistos como mulherzinhas, maricas, sensíveis e gays são heterossexuais?
O processo de colocar na sombra (Schatten), no caso do homem aparentemente hetero e que esconde de si mesmo a sua atração por homens (a sua posição feminina na sexualidade) é um processo de cisão, de conflito e de guerra interna.
Nas análises da psicologia analítica, o caminho visado – ainda que possa ser inconsciente – é o da totalidade. Jung sempre mencionava que a busca era a da totalidade, não da perfeição. Com isso, como encontrar a totalidade se uma parte importante de si-mesmo é excluída? Porque o homem por demais homem é aquele que exclui a feminilidade, coloca-a para fora, a projeta e a rejeita… esse não está em seu caminho para o seu Self, Selbst. Por comparação, vemos que o homem feminino, considerado gay, mas que é hetero, e que tem uma forte vivência da sua feminilidade aproxima-se muito mais da sua totalidade.
O mesmo processo de exclusão ou aceitação do masculino ocorre na individuação da mulher. A mulher pode aceitar o seu lado masculino (o seu animus) ou rejeitá-lo.
Um pouco antes daquela passagem citada no começo deste texto, Jung escreve:
“O que se passa com a masculinidade? Sabe quanta feminilidade falta ao homem para seu aperfeiçoamento? Sabe quanta masculinidade falta à mulher para o seu aperfeiçoamento? (…) Tu, mulher, não deves procurar o masculino no homem mas deves aceitar em ti o masculino, pois tu o possuis desde o começo. Mas isto te diverte e é fácil fazer o papel de mulherzinha, por isso o homem te despreza, pois ele despreza o feminino. Mas a pessoa é masculina e feminina, não só homem e mulher” (JUNG, 2010, p. 263).
Ou seja, cada um de nós, segundo a concepção junguiana, teria o seu oposto interno. A saúde ou a doença residiria na capacidade de lidar com este oposto. E para ficar claro: não é que a homossexualidade é doentia e a heterossexualidade é saudável. O que é doentio e neurótico é a exclusão de uma parte importante de si, em função do que está fora de si. O que é válido para o homem homossexual que exclui o feminino de si assim como é válido para o homem heterossexual que também exclui o feminino de si com medo dessa sua parte.
Conclusão
Como diria o professor Walter Migliorini, a tendência de Jung é escrever de maneira circumabulatória, ou seja, encontramos o tema que estamos estudando em uma obra que não tem relação direta com o tema estudado. Bem, este é um texto apenas introdutório ao que podemos estudar sobre a homossexualidade na obra de C. G. Jung. Nesse sentido, é um texto também circumabulatório.
Como indicação de leitura, deixo o segundo capítulo do livro de Robert Hopcke: Jung, junguianos e a homossexualidade. Neste capítulo, há uma descrição detalhada dos conceitos de Jung nas suas três principais fases: psicanalítica, psicologia analítica e fase “madura”.
Um homosexual pode amar uma mulher?
Olá Cinthya!
Sim, claro!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá, com relação à Freud, ele divergia ou convergia com a tese de Jung? Grata.
Li atentamente o texto, mas nao consegui perceber as razoes que levam as pessoas a se tornarem homossexuais, pelo que gostar de receber um artigo relacionado com o assunto ou a minha duvida pois tenho um colega por sinal Medico, mas que parece ser,alias tem sido acusado como sendo homossexual.
Oi Angelo,
É verdade: o texto não procura trazer esta resposta. É o começo de uma tentativa para explorar o tema na obra de Jung.
Em breve, escreverei um texto sobre a questão da “causa”, tendo por base as neurociências.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Acho os textos de Felipe de Souza muitos importantes; muito significativos, pois preenchem a minha curiosidade, no que respeita às coisas que psicologia tem para nos ensinar.
Olá pessoal, sou estudante de Psciologia (3º período) e posso afirmar para você Cinthya que um homosexual pode SIM amar uma mulher. Amor não tem raça, cor, religião ou rotulações (opções sexuais). Digo opções sexuais pois é o que a sociedade rotula mas na teoria isso não existe, sexualidade não é opção. Um homem gay pode amar uma mulher, viver ao seu lado, ter filhos e construir uma família.
Já em resposta ao Angelo, você não iria encontrar nada que fale sobre pessoas se tornarem homossexuais nesse texto, nem em nenhum outro. Primeiro por que Jung nunca escreveu nada diretamente sobre esse tema e segundo que ninguém SE TORNA homossexual, a pessoa já nasce com essas características, aos 2, 3 anos já podemos notar algumas características homo em uma criança. Se seu amigo esta sendo acusado de ser homossexual e isso está constrangendo ele, pode-se recorrer a justiça, constrangimento, principalmente em local de trabalho é dito como crime.
Espero ter ajudado
João Pequeno
Olá João!
Muito bom o seu comentário!
Em breve vou escrever um texto sobre a homossexualidade para Freud e outro para as neurociências.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Francisco!
Obrigado meu caro!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Carmen,
Teremos em breve um texto sobre a homossexualidade para Freud, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Acho muito interessante e também muito difícil falar de homossexualidade. É preciso ponderar as opiniões. Mas quem não gostaria de saber da “causa” da homossexualidade? Será que existiria uma única “causa” e porque tantas pessoas sofrem por ser homossexuais??? Caiu já no dito popular: “Aceita que dói menos”, aceitar-se a si mesmo e quem sabe ser aceito, não é mesmo? Mas fora das opiniões populares, a ciência por si só não dá conta de explicar este fenômeno, teria que unir-se juntamente com o lado espiritual, pois como a maioria das pessoas já tem provas suficientes que nós somos espíritos encarnados na terra, estamos também por algum motivo aqui certo? Para aprender ou para cumprir algo, seja lá o que for. Isso não quer dizer que as pessoas homossexuais deveria ir aos centros espíritas para obter uma resposta mais cabível para o que sentem ou para os seus conflitos internos. A religião com certeza diria que o homossexualismo é um caminho imperfeito, mas graças e deus a liberdade dita por Jesus Cristo, dizia ele que toda a pessoa tem seu livre arbítrio para fazer o que quiser de sua vida, desde que o amasse e guardasse suas palavras. Caminhamos por uma única e só religião, a que exista paz entre os povos, a fraternidade, a solidariedade, amor e principalmente a liberdade, esta também adquiridas pelos homossexuais.
Olá colegas, gostaria muito de poder contribuir nos comentários, sou profissional de Educação Física, pedagoga e termino o curso de Direito este ano, meu mestrado foi um estudo da concepção corporal das travestis de minha cidade que é Ipatinga, MG e faço doutorado no Uruguay em Neurociências. Tive a satisfação de escrever um livro – O CORPO TRAVESTIDO, e assim compreender um pouco mais, pois convive durante 02 anos neste universo de pesquisas e vivências práticas com as travestis .Irei ler com calma os cometários e textos para poder opinar. Mas se quiserem estarei disponível no email para trocarmos experiencias,. marilanesilva@yahoo.com.br
Tenho certeza que precisamos nos respeitar e cada um com responsabilidade seguir suas escolhas. Um abraço
Felipe, vc esta supondo que o homem em sua totalidade deve ser, por exemplo, gay e másculo. Então se ele for homossexual e afeminado ele esta longe do seu caminho de individuação? Você considera “saudavel” apenas se o individuo viver uma relação de polaridade? (Masculo-homossexual, heterossexual-afeminado.)
Olá Camila!
Para entendermos a totalidade das polaridades sexuais, é útil excluir um pouco a questão da escolha do objeto. Um homem, na concepção de Jung, teria um aspecto também feminino em si. A totalidade é uma busca da compreensão do que se exclui normalmente.
Por isso, digo no texto que tanto um homem hetero ou gay terá problemas se excluir uma parte de si (o lado oposto do que está acostumado). Assim, é independente da escolha do objeto a questão da totalidade.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigada, Felipe.
oi, eu sou homem casado com filhos mas tem um porem ,meu corpo e afeminado sem barba ou pelos pelo corpo , com corpo de mulher mesmo, e sinto atração por homem apesar de controlar. Amo minha esposa e lhe pergunto como pode ser isso. Por favor me responda
Olá!
A genética e a fisiologia dos componentes sexuais é muito complexa. Só agora estamos conseguindo compreender um pouco melhor este tema. Sugiro esta palestra – https://www.youtube.com/watch?v=N-gVgQcZ91Q
Que legal, sem estudar psicologia pude chegar a mesma conclusão. Em minha dificuldade com a homossexualidade exerci – e ainda exerço – um sentimento transitório entre um machismo exagerado, considerando a mulher algo muito inferior para que eu possa vir a fazer o papel dela (ser homossexual) e uma homossexualidade completa, incluindo o travestismo e a quebra total de minha personalidade optando por ser passivo, quieto, submisso.
Essa luta interna nunca teve vencedor, ambos se demonstraram pra mim ser um caminho viável de identificação. Uma evidência disto é que posso fazer ‘a mulher’ de maneira extremamente convincente, me travisto, ando de salto, é como se eu já soubesse ser mulher, no entanto, posso ser homem, extremamente homem, atitudes ativas, etc.. É curioso porque embora as pessoas já saibam que por vezes me travesti e manifestei esse desejo homossexual, eu posso agir como homem e inclusive caçoar dos amigos quando estes possuem atitudes afeminadas (virá homem rapaz, deixa de viadagem, e coisas do tipo).
Nisso, embora eu ainda não tenha lido nada sobre o assunto na psicologia, concluo que o machismo e a homossexualidade são versões ‘doentias’ de como lidamos com nossa energia negativa (a anima como diria Jung): no machismo a imagem da mulher está fora dele e seus instintos fazem com que busque essa mulher pra si, para se completar, mas a consciência tende a julgar como objeto (se está fora não sou eu, eu a possuo, mas ela não tem valor real como parte de mim – não há amor); na homossexualidade essa imagem da mulher está dentro dele e sua consciência pode aceitar como parte de si mesmo, fazendo-o não ter remorso, culpa ou medo de assumir que é a própria mulher, ainda é uma ação em direção ao TER como se fosse um objeto, mas o ter em si mesmo. No filme “garota dinamarquesa” isso é expresso de maneira muito intrigante, o rapaz que possuia uma esposa e a achava bonita, mas era como se quisesse aquela beleza em si mesmo.
Posso dizer por empirismo e um pouco de intuição que ‘mulher’ ou ‘animus’ ou outro termo qualquer é identificado como uma imagem, essa imagem é o símbolo que conecta a mulher, é por isso que as pessoas podem ter tesão com uma imagem da mulher, e outras podem ter tesão sendo a própria mulher. Essa energia feminina é o que todo homem busca em sua caminhada, seja como hetero, como homossexual ou como qualquer outra coisa, a energia assumirá sempre uma imagem simbólica pela qual permite a manifestação da união com a própria energia masculina que é ele mesmo causando o tesão e então a transmutação de ambas energias em uma nova, que eu chamaria de energia vital que cria a vida…
PS: não tem como estudar Jung sem estudar misticismo, alquimia, hermetismo, etc.. Jung era membro da RosaCruz e o caminho mais curto para entender Jung é entender a Tradição Primordial, a Providência. Na psicologia pós-moderna encabeçada por Ken Wilber o misticismo é parte muito importante. Todo estudante sério de psicologia deverá estudar misticismo ou então se verá limitado pela academia e vai embotar a mente, mantendo-a esquizofrênica (dividindo a mente) com uma consciência muito forte e afastada da inconsciência.
O que achas disso, prof. Felipe?
Olá Willams, obrigado por trazer sua experiência. Existem muitas afirmações de que Jung era místico. Ele mesmo se considerava um empírico. Não concordo que tenhamos que estudar misticismo para estudar psicologia. Porém, podemos estudar o misticismo e a religião – como fez Jung – a partir da psicologia na chamada psicologia da religião. Abraços