Olá amigos!
Existe uma frase famosa escrita por Freud que diz o seguinte: “Wo Es war, soll Ich werden”. Podemos encontrar diversas traduções, a mais correta é: “Aonde o Isso estava, deve advir o Eu”. Mesmo que você não conheça psicanálise a fundo, provavelmente já ouviu falar em Id, Ego e Superego. Em alemão, as palavras são Es, Ich, Überich, de modo que ao invés de Id, em alemão temos a palavra Isso, ao invés de Ego, temos Eu, e Superego é Supereu.
São erros de tradução, ou melhor, escolha dos tradutores ao levarem a obra do alemão para o inglês. E depois do inglês para o português. Só agora é que as obras de Freud estão sendo traduzidas direto do original.
Bem, o que esta frase quer dizer é todo um resumo do que é uma análise. Há pouco fui solicitado por uma querida leitora para escrever sobre o seguinte tema: “análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista”. Em outras palavras: “Até que ponto a análise do analista implica em seu trabalho?”
Cego não conduz cego
Este ditado popular, bastante conhecido, é a primeira resposta que me vem para responder à pergunta da Cíntia. Embora, talvez, a metáfora da visão não seja tão afim à psicanálise, pois, nesta, a pulsão escópica (da visão) é diminuída pelo divã, que esconde o analista dos olhos do analisando. De todo modo, uma metáfora, como uma imagem aproximada, explica um dos motivos pelos quais Jung (sim, Jung e não Freud) recomendou que todo analista fizesse análise antes de poder ter sua clínica.
A preocupação maior de Jung era com os casos de psicose. Sabemos que um sujeito psicótico, se for colocado em análise, terá grandes chances de surtar. E isto, claro, é perigoso, assim como seria perigoso ter um analista psicótico, clinicando diversos pacientes.
Bem, voltando à metáfora, na faculdade de psicologia, nos primeiros períodos, temos uma disciplina chamada de Processos Básicos. O nome da disciplina pode variar, mas o objetivo é estudar os sentidos. Em um experimento famoso, descobrimos que todos temos um ponto cego em cada um dos olhos. Não percebemos este ponto cego pois a imagem que vemos é formada no cérebro juntando os dois olhos. Mas com uma cartolina com dois pontos, colocados a certa distância, nos permite ver que em certo local não temos visão. Um dos pontos simplesmente some e não é visto mais, apesar de continuar ali.
A visão, historicamente, sempre foi associada ao conhecimento. E o conhecimento, por sua vez, foi ligado à ideia de consciência, com-ciência, com-saber, com-conhecimento. No alemão, também, sem com-ciência (inconsciente) designa literalmente o desconhecimento, o desconhecido.
E aqui chegamos ao ponto de poder responder porque a análise só vai até aonde a análise do analista foi. Se o analista desconhece, tem inconsciência de um certo fator importante em sua psique, esta inconsciência pode afetar o seu modo de interpretar e conduzir a análise.
Digamos que o analista tenha um grande complexo materno, ou seja, um forte afeto envolvendo a sua mãe, que o criou entre o amor e o rigor. Muitas das suas relações foram determinadas, então, por sua relação inicial com sua mãe. E digamos que ele não fez análise e não se aprofundo neste aspecto de si mesmo.
Agora, suponhamos que ele, como analista, comece a analisar uma pessoa que tenha também um enorme complexo materno. Desconhecendo este aspecto em si mesmo, ele começará a projetar, a misturar, a não compreender esta questão no outro. Estando cego para o complexo materno que possui, irá lutar contra este complexo materno no outro, impossibilitando ou dificultando a análise que está conduzindo.
Por isso, aonde o inconsciente (Isso ou Id) estava, deve advir o eu (a consciência). Embora o eu, na teoria final de Freud, também tenha a sua região de inconsciência (mas este seria um tema para outro texto). Se o inconsciente ainda possui primazia sobre uma grande parte da vida do sujeito, ele será um péssimo analista, que, sem saber, estará misturando as suas questões com as questões de seus pacientes.
Evidentemente, surge a questão se é possível tornar todo o inconsciente consciente. Esta questão foi respondida por Freud no texto Análise Terminável e Interminável. Mas, assim como o eu que é consciente e inconsciente, deixo a questão para depois e, talvez, deixo você curioso ou curiosa…
Dúvidas, críticas, sugestões, por favor, comente abaixo!
Gostei do texto, obrigada por enviá-lo!
Olá Ciane,
Fico feliz que tenha gostado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe, que texto esclarecedor. Agora compreendo porque minha ex-psicanalista não me ajudou no meu problema de relacionamento com minha mãe. Ela, apesar de bem mais idade que eu, ainda tinha problemas de relacionamento com a mãe dela, conforme me relatava quase para me consolar. Eu saía frustrada das sessões.
obrigado doutor filipe adorei os seus texto e muito bom eu entendo neste texto que a gente só pode aconselhara alguém se analisarmos primeiro a questão das pessoas e depois então saberemos responder a cada uma a melhor coisa primeiro e ouvir.
Olá Silvia,
Obrigado!
Interessante que foi este justamente o exemplo que usei, rsrs.
Uma dica que quase nunca é dada: às vezes é eficiente mudar de uma psicanalista para um psicanalista (homem). Em muitos momentos da análise (por razões inconscientes), ou vice-versa, o gênero do analista pode interferir no processo.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Gesse,
Esse é um outro aspecto da questão. A tentativa de ter objetividade no discernimento da interpretação.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Interessante mesmo. Sou o exemplo vivo. Obrigada pela preciosa dica quanto ao gênero do analista. Obrigada, também, por nos enriquecer com todo seu conhecimento, exposto nos textos que você escreve.
Oi Felipe, faz uns dias que tenho lido diariamente seus textos. Fiz o curso de psicologia online, como uma forma de introdução mesmo ao tema, que me fascina. Tenho muita vontade de cursar uma faculdade de psicologia, mas como já tenho uma carreira profissional, sempre adio isso. Li ao texto onde você fala que muitas pessoas confundem a necessidade de ter ou precisar de uma assistência psicológica, com a vontade de ser psicólogo. Confesso que me identifiquei com sua teoria, mas ainda assim acho que quero muito as duas coisas: terapia e conhecimento. Desde já quero de parabenizar por trazer tanta informação e de forma tão acessível. Obrigada. Débora.
Oi Felipe, adoro seus textos, já passei um dia inteiro lendo eles..rs
Gostaria que vc me falasse sobre a relação entre o homem e a Solidão.
Obrigado!
Olá Lorena,
Que bom que esteja gostando do nosso site! =)
Este é excelente tema. Prometo escrever em breve, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Débora,
Fico extremamente feliz que esteja acompanhando nossos textos!
Bem, no seu caso, eu recomendaria ampliar os seus horizontes – com a psicologia – não necessariamente para trocar de carreira. Você poderá considerar a psicologia (em uma graduação ou cursos menores) como um hobby.
Veja aqui – A importância de ter um hobby
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Oi Felipe, tudo bem? Li alguns de seus textos e gostei da forma como vc aborda os temas. Você demonstra ter conhecimento naquilo que escreve e isso é muito bom em qualquer área, sobretudo na psicologia em que as pessoas tendem muito a acreditar no que o “psicólogo” fala (ou o contrário, não acreditam absolutamente nele…rsrsrs). Mas sobre este tema da análise, gostaria de comentar que fiz psicanálise por um ano e meio com um analista. Ele era minha “mãe” literalmente não fosse por ser homem. A análise foi bem, ajudou-me em muitas coisas relevantes, permitiu-me mudanças como pessoa. Mas chegou em um momento que a análise parou de evoluir, o que me levou a romper com este analista homem e procurar por uma mulher. Hoje passado um ano com a analista mulher e que por sinal não é minha “mãe” de jeito nenhum…rs (simbolicamente falando), pude aprofundar questões que começaram na análise com o analista anterior. Hoje está claro que o próprio rompimento com o analista anterior teve muito a ver com a necessidade de rompimento com a figura materna. Foram dois meses com a nova analista para eu me “desprender” da relação com o analista anterior e dar seguimento com a análise em si numa nova etapa. Mas muito interessante isto que vc fala sobre a limitação do analista para com seus próprios conteúdos. Isso é muito real na relação com o paciente. O “isso” é muito real…rsrs. E agora sinto vontade de mudar de terapeuta novamente. Tenho lido Jung e sentido vontade de continuar em uma terapia nessa vertente. Isso é o que verei no próximo capítulo da minha vida…rs. Gostaria de sugerir para vc escrever sobre o fenômeno da mudança de terapeuta. As possíveis motivações , se realmente término da análise ou se resistência. Abraços! Patricia
Olá Patricia,
Obrigado pelos elogios! =)
Realmente, o processo de terapia apresenta muitas mudanças, às vezes conciliamos tudo em um mesmo analista, às vezes isto não é possível.
Prometo escrever um texto sobre o tema da transferência e mudança de analista em breve, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Vejo q pra sermos bons analistas devemos esvaziar dos conceitos do inconciente q vivenciamos em alguma fase da vida.
Olá Domingos,
Sim, embora o conhecimento de todos os fatores inconscientes seja mais um ideal do que uma possibilidade.
A questão é o analista ter sempre em vista a sua própria análise e fazer sempre supervisão.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Estou profundamente revoltada porque minha terapeuta não me ajudou a entender meu ponto cego durante a terapia. Passei 6 anos no consultório comentando dois assuntos principais: A e B. Estou revoltadíssima, pois acho que minha terapeuta deveria ter me ajudado a ligar A com B. Estou revoltadíssima pois só descobri depois de aposentada. Escrevi para minha terapeuta, ela respondeu “porque tu não percebeu? Não estou aí para me meter na vida dos outros”. Estou revoltadissima. Por favor, converse comigo.
Olá Tania,
Bem, esta é uma questão que envolve a sua relação com a terapeuta e, portanto, não posso comentar porque, evidentemente, está fora do meu escopo.
Caso tenha se sentido prejudicada, você pode entrar em contato com o conselho de classe.
Entretanto, o que aconteceu pode não ter sido uma falta ética da parte dela e sim um modo de conduzir a terapia, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Freud falou sim, e várias vezes em sua obra, da necessidade do médico que pretendesse praticar a psicanálise, passasse primeiro por ela.