Olá amigos! Neste texto, falarei sobre o livro “Suicídio e Alma”, de James Hillman, um dos mais influentes psicólogos americanos e criador da psicologia arquetípica.
Suicídio e Alma
O que pensamos quando pensamos em suicídio? Covardia, fraqueza, morte precoce e anti-natural, doença mental? Se colocarmos todos os nossos pensamentos de lado, nossos preconceitos a respeito do tema e de quem pensa em se matar ou se matou, o que fica?
Para nos livrarmos dos pensamentos usuais, temos que conhecer quais são as principais referências a seu respeito. Sociologia, teologia, direito, medicina formularam seus princípios e compreensões do suicídio e do suicida, cada qual ao seu modo, mas tendo sempre como perspectiva o externo e o exterior.
Para a sociologia, não há meio de interpretar a pessoa que se mata, é necessário pensar a sociedade na qual o suicídio acontece, levando-se em conta fatores como clima, período do ano, laços sociais, sexo, idade, gênero. A metáfora da sociologia é o social. O indivíduo fica excluído desta análise.
Para a teologia, o dogma alimenta o pensamento de que a vida, dada por Deus (ou pelos deuses), não é do próprio sujeito. Portanto, retirar a própria vida significa tomar algo alheio. O tempo de vida é determinado antes e qualquer aproximação da morte, por artifícios, é pecado e conduz aos umbrais do inferno. Novamente, a teologia também interpreta o tema a partir do exterior. Deus, o Outro, é quem julga o tempo, como Cronos da mitologia, e dá ou retira de acordo com seu desígnio. O homem, em sua individualidade, não pode a Ele se opor.
Para o direito, até 1961, o suicídio é um crime. Se for bem sucedido, a pessoa perde os seus direitos, por se opor à sociedade e querer dela se livrar. Em outras palavras, não há direito para provocar a própria morte, fazê-lo é semelhante a cometer um homicídio, a única diferença é que autor e vítima são idênticos.
Para a medicina, o suicídio é uma morte não natural e como todo o seu esforço visa a manutenção da vida, este é um ato reprovável. A psiquiatria, área menos nobre da medicina, encontra no suicídio o seu vilão. Por isso, o suicídio deve ser prevenido, se há tentativa, a internação compulsória e a medicamentalização constituem a saída.
Todas estas visões são externas. O olhar do psicólogo clínico ou psicoterapeuta, para James Hillman, deve ir em outra direção: deve entender e compreender o suicídio a partir de dentro, a partir do indivíduo e sua individualidade. Um suicídio na estatística sociológica é apenas um número em um gráfico. Um suicídio não é igual a outro, ou seja, os motivos, as razões, o sentido é único, é individual. Encarar o suicídio a partir da alma ou psique é o objetivo do autor no livro.
James Hillman, para quem não o conhece, é – além de um excelente escritor – o criador da chamada psicologia arquetípica, uma continuação da psicologia analítica de Jung, com um olhar diferenciado da psicologia analítica clássica ou psicologia analítica desenvolvimentista.
Um de seus axiomas para a psicologia é de que, na tentativa de fazer-se científica, respeitável, comprovada, a psicologia havia perdido o seu objeto de estudo, a alma. Psique, como sabemos, em grego quer dizer alma. Psicologia, portanto, é o estudo, o conhecimento ou discurso sobre a alma. Se a psicologia moderna havia esquecido o seu próprio objeto, nada mais justo do que retornar a ele, estudando de forma profunda a alma. Foi o que Hillmann fez em seus diversos trabalhos, o mais conhecido é Re-visitando a psicologia, em inglês, Re-Visioning Psychology.
Outro livro excelente, que utiliza esta abordagem de ver a alma em profundidade, é O Código do Ser, sobre a escolha profissional ou o encontro do próprio chamado, da própria vocação.
Mas voltando ao nosso livro, “Suicídio e Alma”, vejamos o Sumário:
Sumário
Parte I
Suicídio e análise
1. O problema
2. Prevenção do suicídio: Os pontos de vista da Sociologia, do Direito, da Teologia e da Medicina
3. O suicídio e a alma
4. A experiência da morte
5. Enfrentando o risco do suicídio
Parte II
O desafio da análise
6. Medicina, análise e alma
7. Uma questão de palavras
8. O curador como herói
9. O preconceito patológico
10. Diagnóstico e dialética analítica
11. Esperança, crescimento e processo analítico
12. Sigilo médico e Mistério Analítico
Referências
Como podemos ver, o autor cerceia o tema do suicídio considerando-o a partir de dentro, a partir da alma. Como psicólogos clínicos, nos deparamos frequentemente com o tema do suicídio e analisar a questão do ponto de vista externo é inútil. Que adianta saber que a estimativa de suicídio para este ano no mundo é de 1.000.000 de pessoas ou de que no Brasil 24 pessoas, em média, podem se matar hoje?
Estes são dados, são estatísticas, que não nos auxiliam em nada na clínica.
Se olharmos os sofrimentos que os pacientes trazem, veremos que o tema da morte (não só do suicídio) aparece muito frequentemente. Mortes de pessoas queridas, términos de relacionamentos amorosos que são como um luto, pensamentos sobre o fim último, sonhos com a vida após a morte e a lista continua.
Qual é e qual deve ser a posição do analista nestes momentos? Como sair da perspectiva exterior, que apenas visa a prevenção, escutar a tendência e possibilidade de um suicídio, e ser ético? São questões delicadas que são abordadas neste pequeno mas impactante livro, de 222 páginas, da Editora Vozes.
No prefácio à edição brasileira e comentando a popularidade do livro, ele escreve:
“Parece óbvio que este livro vem ao encontro de uma necessidade de compreensão a partir do interior, e da compreensão de uma questão essencial – aquela que Camus disse ser a única questão – a possibilidade de pôr fim à própria vida. E então: o que quer a alma ao imaginar e até realizar esta possibilidade? Não o caráter nacional ou as estatísticas atuariais dos suicídios brasileiros (ou dinamarqueses ou irlandeses), não a classificação de bilhetes suicidas por idade, status socioeconômico e educacional, não os vários modos de autodestruição conforme a religião, a época do ano, as preferências sexuais e os regimes alimentares dessas ‘vítimas’, nem sequer seus ‘motivos’ e ‘perfis’ – mas o que quer a alma ao apresentar à mente esta ideia inominável e à vontade e a determinação de executá-la? Pois esta é a questão – e é sempre a mesma pergunta qualquer que seja tema (casamento ou divórcio, aborto ou maternidade, romance ou perversidade, segurança ou liberadade) – o que quer a alma? (Hillman, 2011, p. 16)
Referências Bibliográficas:
HILLMAN, James. Suicídio e Alma. Trad. Sônia Maria Labate. 4° Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011
Agradeço à editora Vozes o exemplar de cortesia.
Obrigado Felipe Souza,por tudo que você me manda sobre psicologia.
Desejo um dia me encontrar com você.Não sou Psicólogo, mas pretendo ser. Vou fazer o próximo Enem.
Olá José!
Obrigado! Fico muito feliz com sua avaliação!
Sucesso sempre!!!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Parece excelente o livro super interessante…………..amanhã mesmo vou comprar um exemplar……
Olá Marcos,
Com certeza vale muito a pena comprar!
Como o próprio autor diz no Prefácio, o sucesso do livro deve ser atribuído à novidade do olhar. Outros teóricos de outras áreas sempre questionaram o problema do suicídio partindo-se de fora, do exterior, em uma perspectiva extrovertida. Como sabemos, a extroversão é tão somente uma das possíveis atitudes na relação sujeito-objeto. A introversão, atitude contrária, é igualmente importante. Por isso, o livro de Hillman é tão fascinante!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe já comprei pela internet o livro Suicido e Alma e estou ansioso aguardando chegar…Se possível gostaria de umas dicas como ler e tirar o máximo de proveito do que li? E em relação a esse livro como devo lê-lo? ou melhor quantas páginas por dia? e se devo fazer anotações ao ler? e outra pergunta…um dia terei a minha clinica estes são os meus planos assim que terminar a faculdade…gostaria de saber se este livro vai me ajudar quando estiver clinicando ou se é apenas uma leitura para se ter conhecimento?
Olá Marcos,
Bem, a melhor forma de ler um livro é lê-lo com calma. Quando digo calma, quero dizer que é preciso ter tempo para aprofundar na leitura. Por exemplo, quando estamos no mestrado ou doutorado, ao lermos um livro, fazemos fichamentos, resumos, resenhas. O que, em certo sentido, nos faz ler o livro mais de uma vez.
Também é preciso tempo para expandir a leitura, já que um livro – quando é bom como este do Hillman – nos convida a ir além. Assim, ele cita logo no começo o livro O Suicídio, de Emile Durkheim. É uma ótima indicação de leitura, ainda que a perpectiva do Durkheim seja a da sociologia.
Creio que o livro vai te ajudar na clínica sim. O tema do suicídio não é tão distante quanto pensamos e, mais do que isso, o tema da morte está sempre presente, na morte de uma pessoa querida, do fim de um relacionamento ou emprego, na presença de doenças, etc.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Felipe sempre prestativo…
O livro chegou hoje estava lendo até agora e realmente é incrível o conteúdo do livro. Nas primeiras páginas tive uma certa “confusão” no pensamento e na interpretação, acredito que por ser um assunto até então desconhecido pela minha pessoa, mas avançando a leitura percebi que é um livro fácil de se ler. Li até a página 47 onde fala sobre religião e o suicídio,não sei se to fazendo certo,mas automaticamente ao ler comecei a anotar tudo que pra mim passou a ser interessante e disso surgiram várias questões, talvez algumas até meio “imbecis” no ponto de vista de que tem o conhecimento como no seu caso, mas que para mim fazem algum sentido mesmo não sendo significantes. Vou tentar formular o que se está se passando na minha mente e se você permitir gostaria de enviar esses humildes “imbecis” pensamentos e questões para você
Olá Marcos,
Nenhuma dúvida é “imbecil”, ok?
Podemos sim ir conversando sobre o livro aqui nos comentários, claro!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe
Se possível gostaria que vc esclarecesse uma duvida:
1- uma pessoa que se suicida é considerara homicida, visto que vitima e agressor são a mesma pessoa?
2- “Jesus Cristo” “morreu para nos dar a vida”; se eu cometer suicídio para salvar a vida de outrem serei um suicida?
Obrigado!!!
Olá Marcos,
1 – Sim, pois embora autor e vítima sejam idênticas, o suicídio pode ser compreendido como um homício, ou seja, alguém é morto por alguém.
2 – A questão do sacrifício e do martírio é mais complexa, pois o motivo da morte não é próximo aos motivos comuns encontrados nos suicídios, mas advém de um idealismo ou de uma profunda crença religiosa. (Excluo aqui o exemplo mencionado de Jesus, já que esta questão toca em aspectos religiosos e dogmáticos). Me refiro a santos, místicos, profetas que foram mortos ou tiveram a oportunidade de se salvar mas não o fizeram em virtude de um ideal. Em certo sentido, poderíamos pensar em suicídio, por outro, temos que pensar que os motivos são diferentes.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Felipe Prestativo;
Olá Felipe aqui estou novamente com algumas dúvidas
Estou lendo suicídio e alma que você indicou,mas em alguns momentos ao ler sou guiado por outros pensamentos e até mesmo supostas conclusões referentes a psique…..
Gostaria de saber se é “saudável” ler sobre suicídio e ter outras ideias e pensamentos não ligados ao suicídio,mas a outros assuntos direcionados a psique?
to meio confuso com isso….
…
Olá Marcos,
Claro, quando começamos a pensar, sempre somos levados para outros caminhos.
A filosofia, que é o campo do conhecimento que se especializa em formar pensamentos claros, em conceitos, sempre possui esta tendência.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Muito obrigado Pela ajuda estou desenvolvendo meu primeiro artigo e por sorte talvez um assunto complexo, e que esta me ajudando a confirma minhas expectativas sobre psicologia. me ajudou muito os livros indicados.