“O problema que ocupava o primeiro plano de meu interesse e de minhas pesquisas era o seguinte: o que se passa no espírito do doente mental?” (JUNG, 2006, p. 141)

São inúmeros os desafios que o profissional da área psicológica deve encarar a fim de conseguir alcançar a esfera do sofrimento do outro, para só então, exercer um mínimo de ajuda possível. Gostaria de trazer para o campo da discussão, o polêmico conceito “patologizar” de James Hillman. E desta forma refletir a cerca de nosso entendimento sobre o que de fato é a doença, ou, se é que podemos assim chamá-la.

O patologizar enquanto nova perspectiva entre saúde e doença

Na obra Re-vendo a Psicologia, James Hillman propõe uma ousada e incômoda observação a respeito dos fenômenos da psique. Para esta nova forma de olhar a saúde e a doença, ele problematiza a questão do atual modelo de psicoterapia, e a forma como encaramos o que é saúde e o que é doença. O referido autor nos chama atenção para as denominações diagnósticas e para o modelo médico a qual estamos sujeitos, em que, há uma busca pela classificação e enquadramento do paciente em uma forma doentia.

Este modelo olha para os fenômenos da psique buscando o que há de errado com o humano, para depois, empacotá-lo em uma terminologia específica.

“A palavra patologia, que usamos para essas experiências problemáticas, demonstram por si só o papel que a medicina desempenha no modo como a psicologia vê a psique.” (HILLMAN 2010, p. 133).

Ele defende que é preciso uma reformulação por parte da psicologia quanto à forma de encarar o patológico, pois, o que é apresentado como uma queixa por parte do paciente pode não ser uma doença na acepção médica. Hillman (2010) se questiona quanto à validade deste modelo (que acabou contaminando a psicologia) considerando como ineficaz e insuficiente um tratamento baseado neste tipo de abordagem, já que, o paciente não responde bem a ela.

Ele problematiza ainda mais a questão criticando outros modelos, como o religioso, que tenta olhar para a questão da “doença mental” como uma desordem da espiritualidade, uma espiritualidade desconexa ou frustrada. Hillman nos aponta a ideia que, se sofremos, é porque somos doentes, ou porque somos pecadores, e nossa cura reside nos avanços ou da ciência ou da fé.

Porém, em ambos os casos, nossa visão acerca da doença ou pecado está embaçada com a noção de que patologizar é algo errado, que a doença e o pecado não fazem parte da esfera do humano, e por isso precisam ser extraídas ou exorcizadas.

De acordo com este autor, para que possamos nos aproximar novamente a psicologia da patologia, é preciso que haja uma quebra de paradigmas quanto à forma de enxergar o que é doença e o que é saúde. Para tanto, Hillman desenvolve um conceito que nos gera certa estranheza. Ele dá o nome de patologizar, e defende que a patologia faz parte da própria expressão da psique, como se o natural da alma fosse o movimento da patologização, de criação de doenças, morbidades, anormalidades, de possuir falhas e distúrbios de qualquer ordem ou comportamento.

Para que a psique possa se manifestar com toda sua grandeza, ela produz fantasias patologizantes a fim de que, o humano possa experimentar as perspectivas deformadas e aflitas inerentes a ele mesmo.

A princípio, esta proposta nos coloca de certa forma, contra Hillman, pois, a estranheza desta afirmação não permite uma aceitação tão simples. Mas por outro lado, se levarmos em conta que nossa visão para este assunto se vê contaminada pela noção médica e religiosa, poderemos começar a entender melhor a concepção de Hillman e, talvez, a concordar com ele.

Convido o leitor a tentar por alguns instantes, suspender o juízo pré-concebido que estes modelos nos instauraram para então, nos prestarmos a ouvir e a tentar compreender o que este polêmico autor nos apresenta.

Hillman (2010), com esta observação dos modelos médicos e religiosos, não quer de forma alguma substituir ou tão pouco questionar a autenticidade das ideias de pecado e doença nestas percepções. Mas antes, enxergar através delas, mantendo-as somente como perspectivas, e não como verdades.

Considerando a ideia de Hillman como uma perspectiva nova, o conceito de patologizar cria um novo sentido para a denominação de um indivíduo saudável e doente. “Se fossemos capazes de descobrir sua necessidade psicológica, o patologizar não mais seria errado ou certo, mas simplesmente necessário, envolvendo propósitos que não temos percebido bem, e valores que precisam necessariamente apresentar-se de forma distorcida” (HILLMAN 2010, p. 135).

Continue lendo, clicando aqui: O Conceito Patologizar – James Hillman – Parte 2

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Bruno Portela é Mestre em Ciência da Religião pelo programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, especialista em Psicologia Junguiana pelo Instituto Junguiano do Rio de Janeiro. Professor do curso de Psicologia no Centro Universitário Fundação São José. Psicólogo clínico com consultório em Itaperuna-RJ.