Também a psicanálise se utiliza das entrevistas em seu método clínico, porém o faz com algumas peculiaridades em relação às teorias psicológicas. Vejamos alguns pontos.
Freud, em seus textos técnicos, menciona o hábito de praticar o que chamava de tratamento de ensaio. Este ocorria antes da análise propriamente dita, e nesta etapa decidia se aceitaria ou não o paciente. Posteriormente, Lacan irá falar em entrevistas preliminares, que seriam correlatas ao tratamento de ensaio de Freud. Esta fase seria anterior ao paciente deitar-se no divã.
O objetivo principal das entrevistas preliminares consiste em direcionar a transferência àquele analista específico. Simultaneamente, há a elaboração de uma hipótese diagnóstica, a produção de um sintoma analítico – o qual não é necessariamente aquele do qual o sujeito chega se queixando – e a produção de uma demanda de análise propriamente (Quinet, 1991; Ariadne, 1998).
As entrevistas preliminares marcam que o início de uma análise não se dá com a entrada do paciente no consultório do analista. É o fim das entrevistas preliminares que cumpre a função de estabelecer um corte, marcando a entrada no discurso analítico.
Numa primeira vista essa diferença pode não ser facilmente perceptível, pois as entrevistas preliminares seguem as mesmas regras da análise: também nas entrevistas preliminares o sujeito deve associar livremente.
Contudo, não se interpreta o discurso do paciente durante as entrevistas; neste momento o analista fala o mínimo possível, apenas o suficiente para que o sujeito prossiga em seu discurso. Isto porque está em jogo a questão diagnóstica: deixa-se o paciente falar para que uma hipótese possa ser formulada acerca da estrutura do sujeito (neurose, perversão, psicose), e também porque é próprio paciente quem introduz os significantes que irão “guiar” sua análise.
É neste momento que o analista decide se irá ou não acatar aquela demanda de análise. “O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise” (Quinet, 1991, p.15).
O analista pode recusar-se a autorizar uma análise se, por exemplo, percebe uma estrutura psicótica (devido aos riscos de desencadeamento de um surto, pelo qual terá que se responsabilizar), ou porque o paciente já se encontra num estágio que o analista acha por bem não levar adiante – lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista.
As entrevistas preliminares servem também para que se configure o sintoma analítico enquanto tal. O sintoma do qual o sujeito chega ao consultório se queixando expressa, geralmente, uma demanda de cura, ou de amor, mas não uma demanda de análise: esta deverá ser produzida através da retificação subjetiva.
Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma: um significante. É este significante que irá representá-lo, num primeiro momento, ao menos, para o analista. Este, por sua vez, é um outro significante, um significante qualquer fabricado pelo analisante em sua fantasia.
Assim, o sujeito, no início do processo, acredita que o analista detém um saber ou um poder de cura, e coloca o analista no lugar do Sujeito Suposto Saber.
Se no início do processo a demanda do sujeito é a de se desvencilhar, de se curar de um sintoma, a retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial passe ao estatuto de sintoma analítico, constituindo uma demanda de análise propriamente dita, endereçada àquele analista específico.
Concomitantemente, estabelece-se a transferência, simbólica, em relação ao analista, fenômeno fundamental para que se dê uma análise. Ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a ser decifrado pelo sujeito, um enigma que aponta para sua divisão. É o que se chama de histericização do discurso.
Assim, resumidamente, as entrevistas preliminares cumprem as seguintes funções: instaurar a transferência num nível simbólico; implicar o sujeito no sintoma, para que se configure um sintoma analítico; retificar a demanda, transformando a demanda de amor ou de cura em demanda de análise; colocar o sujeito a questionar-se sobre seu sintoma, histericizando seu discurso e elaboração, por parte do analista, de uma hipótese diagnóstica.
Dr.Felipe,adorei o que colocaste neste texto.Muito obrigada.Abraços Magda
Olá, Doutor, tudo bem? Adoro seus textos!
Gostaria que me explicasse mais sobre isso “lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista”.
Até que ponto a análise do analista implica em seu trabalho?
Abraços!
Olá Cíntia,
Este é um excelente tema!
Prometo escrever um texto novo especificamente sobre a sua questão, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ótimo!
Muito obrigada pela atenção ;)
Olá Cíntia,
Veja aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2014/01/cego-nao-conduz-cego-analise-vai-ate-onde-o-analista-foi.html
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Dr. É viável fazer análise pela internet?
Atenciosamente,
Regina
Muitíssimo obrigada!!!
Esclareceu minhas dúvidas ;)
Continue com este trabalho maravilhoso, passo todos os dias por aqui!
Olá Regina,
Sim, penso que é viável sim.
A única questão – sempre – é ter confiança no profissional que a estará conduzindo.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Cíntia,
Fico feliz que o texto tenha sido útil!
Será sempre um prazer contar com sua participação por aqui!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe !!
Obrigado pelo seu trabalho !!
Fiz analise com um psicanalista durante um tempo mais parei não senti confiança será que foi por que não teve transferência ?
Olá Marcio!
Pode ser que sim!
Em alguns momentos ocorre também o que chamamos de transferência negativa.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Lição 5: Bom, estou começando a perceber que a psicanálise é uma terapia seletiva! “O analista pode recusar-se a autorizar uma análise” – não gostei dessa postura. Nesse ponto, os psicólogos são mais dinâmicos e versáteis!
Olá Raquel,
Vou dar apenas um exemplo para justificar o porque de um analista não aceitar um “candidato a análise”: um paciente que tenha uma psicose latente. É sabido já há mais de um século, que um paciente psicótico, se fizer análise, poderá surtar. Portanto, é neste sentido que há a recusa, ok?
Ou quando, por exemplo, o paciente não se compromete com a análise.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá, Felipe,
Encontrei seu blog buscando por um curso de psicanále. Estou o lendo há algumas horas.
Comecei a escrever detalhadamente sobre minhas sessões de psicanálise de forma anônima no meu blog desde que recebi a orientação que ia pro divã (Detalho aqui: http://luspot.wordpress.com/2014/09/24/na-proxima-sessao-voce-vai-pro-diva/).
Uma dúvida que tenho até hoje, embora tenha pesquisado muito: o que no meu caso se caracterizou como transferência para ir ao divã? O fato de eu fisicamente ter revivido sintomas de uma época que pode ter sido traumática, “endereçando” em forma de “sintoma analítico” como você cita neste artigo, ao psicanalista para que ele possa me “curar”? Precisava ter essa manifestação física mesmo para que a transferência fosse consolidada e identificada? De que outra forma a transferência ocorre e o psicanalista a identifica? Sugere alguma leitura a respeito com exemplos práticos deste marco?
Obrigada pela atenção e por todo conteúdo que mantém no blog. Parabéns!
Olá Lu,
Esta é uma questão bastante específica e para a qual existem várias respostas.
Podemos relacionar o deitar no divã com o início da transferência, mas também podemos relacionar com o fim das entrevistas preliminares (que constituem a parte inicial da análise, anamnese e diagnóstico), e, para certos analistas, com a certeza de que a sua estrutura não é psicótica.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigada pela resposta, Felipe.
Adoraria poder conversar com o psicanalista sobre minha própria psicanálise, fora da situação de analisando, para poder ter essas respostas claras… Talvez por isso que eu esteja tão interessada pelas teorias psicanalíticas.
Continuarei estudando este seu curso!
Acharia interessante que tivesse um questionário de avaliação para as pessoas que o fizeram testarem seus conhecimentos :) e para validar o certificado até!
Abs.
Olá Lu,
Então, no momento ainda é inviável esta forma de avaliação.
Quem sabe mais pra frente poderemos estruturar um questionário.
Obrigado pela sugestão!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe, tudo bem?
Depois de acompanhar os seus textos, fui motivada a fazer uma Formação em Psicanálise. Estou gostando muito dessa temática e continuo aprendendo com você e o seu Blog. Abs, Raquel
Legal Raquel!
Vamos aprendendo juntos!
Estou disponibilizando agora as últimas lições do Curso Além do Princípio do Prazer e em breve quero fazer o Ego e o Id!
olá Felipe, me formei a pouco tempo embora já atendia varias pessoas pelo fato de ser pastor e gostar de ajudar e ouvir as pessoas e por ser apaixonado pela psicanalise clinica, eu atendo meus clientes num consultório comum. sem divã tem algum problema este tipo de atendimento?
Oi Geraldo, alguns psicanalistas não usam o divã (ou não usam sempre). Vai depender da linha que seguem dentro da psicanálise. O que entendo é que a psicanálise mais clássica ou tradicional considera muito importante ou mesmo indispensável. Abraços