Publiquei o texto Ser no Tempo no Dogen com o objetivo de comentar com vocês algumas questões referentes ao tempo (ao modo como compreendemos o tempo) e ao ser (ao modo como somos).
Ao que parece, não podemos pensar nada fora do tempo ou do espaço.
Tempo: antes e depois, uma coisa depois da outra, uma coisa antes da outra, causa-efeito, um evento como causa do seguinte…etc
Espaço: dentro e fora, uma coisa dentro da outra, uma coisa fora da outra, dois grupos em relação: uma coisa oposta à outra, uma coisa coisa semelhante à outra, uma coisa em função da outra…
Existem também diversas formas como podemos compreender o tempo. Existe o tempo linear (do plano cartesiano ou de uma cronologia), o tempo associado ou dissociado e o tempo circular. Se quiser saber mais, leia este texto: Mudar o tempo?
Na nossa concepção de mundo, ocidental, temos a seguinte fórmula:
Ou seja, o mundo está lá fora com seus objetos e as outras pessoas. Eu vejo o mundo. Mas vejo o mundo a partir de meus pensamentos, sentimentos e sensações.
Podemos nem ver que o mundo NÃO é o que eu penso dele… podemos ver que o mundo é diferente do que eu espero apenas nas decepções…
A concepção de Dogen, um famoso mestre budista – o primeiro a levar o Zen da China para o Japão no século XI (1200 d.C) – é diferente:
Como diz Dogen:
“Ser no tempo” significa que tempo é ser. Cada coisa que existe é tempo. É uma compreensão totalmente diferente da nossa. Como entender isso?
Você está lendo este texto agora: isto (o texto) e você são ser-no-tempo. Este tempo que é para você agora, junto da leitura destas palavras, é parte do seu ser-no-tempo.
Você não é diferente do tempo que está sendo agora. A função do tempo, nos diz Dogen, não é apenas passar… de ontem para hoje e de hoje para amanhã… mas o tempo é ser!
Não é possível separar as duas dimensões, nem é possível separar o eu do eu-no-mundo.
Este trecho também é interessante:
“Seres humanos são mutáveis, uma vez questionam o que eles compreendem e outra vez não mais questionam a mesma coisa, de modo que seus primeiros questionamentos não coincidem sempre com os atuais. Só que o questionamento, por causa de sua duração, é tempo”.
O questionamento que você faz é tempo. Ao fazer um questionamento o seu ser, naquele momento, é o questionamento, é o tempo deste questionamento.
Só tendo esta visão de mundo podemos compreender o I Ching – esta forma antiguíssima chinesa de pensar, o oráculo que a tudo responde que C. G. Jung comenta.
Ao pensar numa questão e jogar as varetas (ou jogar online no Uol), a pergunta feita é o ser-tempo-da-resposta-do-oráculo. Não é que a pergunta cause a resposta. A pergunta e a resposta são ao mesmo tempo ser.
No texto Ser no Tempo, Dogen continua em seguida:
“Você deve reconhecer que tudo, tudo neste mundo todo, é tempo. Nenhuma coisa estorva a outra, assim como nenhum tempo estorva outro”.
E mais adiante:
“Como não existe outro tempo senão este, todo ser no tempo é a totalidade do tempo: uma folha de erva, cada objeto em si é tempo. Cada unidade de tempo inclui cada ser e cada mundo”.
Não existe outro tempo senão este: o Agora. O tempo futuro e o tempo passado só podem existir na expectativa (futura) ou lembrança (passado) no presente. O tempo presente é o tempo que há, é a totalidade do tempo.
E os objetos deste tempo: O carro que passa na sua rua agora… o frio ou o calor… a posição que você está…cada objeto é em-si-tempo.
Sobre o passado, explica Dogen:
“Quando subi na Montanha ou atravessei o rio, eu era (tempo). O tempo precisa estar comigo. Eu sempre fui: o tempo não me pode abandonar. Quando o tempo não é encarado como fenômeno que flui e reflui, o tempo em que subi a montanha é o tempo presente de ser no tempo”.
Todo o passado, se volta como lembrança, faz parte do tempo presente, faz parte do ser-presente. (Se quiser saber mais sobre esta questão clique aqui: Agora
E conclui Dogen:
“Porque você imagina que o tempo apenas passa, não aprende a verdade do ser no tempo. Numa palavra, todo ser no mundo inteiro é um tempo separado numa contínua sucessão. E uma vez que ser é tempo, eu sou meu ser no tempo. O tempo tem a qualidade de passar, por assim dizer, de hoje para amanhã, de hoje para ontem, de ontem para hoje, de hoje para hoje, de amanhã para amanhã. Porque este passar é uma característica do tempo, tempo presente, tempo passado não se superpõem, nem se chocam, um com o outro. Mas o mestre Seigen é tempo, Obaku é tempo, Sekito é tempo. Já que você e eu somos tempo, a prática e a iluminação são tempo”.
Ou seja, por você ter a compreensão da primeira imagem que postei (a separação entre você – seus pensamentos, sentimentos e sensações – e o mundo) você não aprende a verdade do ser no tempo.
“E uma vez que ser é tempo, eu sou meu ser no tempo”. O tempo-segundo-a-segundo que está acontecendo ao redor (para você) é o você no seu ser-no-tempo.
E como você é este ser-no-tempo a compreensão da realidade última (que os budistas chamam de iluminação) é tempo.
Realmente as pessoas são racionais demais, e precisam cada uma delas "ser no tempo".
Ótimo texto, gostei muito, parabéns.
Abraços.
Fico muito feliz que tenha gostado meu caro amigo!
No que é visto, apenas o que é visto…
No que é ouvido, apenas o que é ouvido…
Ser-no-tempo assim é encontrar a verdadeira liberdade!