Em Física II, Aristóteles busca estabelecer qual é a natureza e a essência dos entes naturais através da qual se define o que eles são e que explique por que eles são de determinado modo. Na mesma obra, são distinguidas as duas naturezas presentes nos entes naturais: forma e matéria.
O conceito de natureza, trabalhado na obra em questão, envolve uma relação interna entre forma e matéria – como também foi apontado, posteriormente, na obra Metafísica, haja vista que a Física precede a Metafísica por ser o conhecimento dos princípios e das causas primeiras da natureza e, devido a isso, valida a busca metafísica (posterior) das causas e princípios primeiros.
Vale lembrar que o conceito de natureza trabalhado em Física II, é concebido de duas formas: “de certa maneira, denomina-se natureza a primeira matéria que subjaz a cada um dos que possuem em si mesmos princípio de movimento ou mudança; mas, de outra maneira, denomina-se natureza a configuração e a forma segundo a definição” (Arist., Física II, 1, 193a 28). Essas duas formas de se conceber tal conceito ficarão evidentes ao longo deste texto.
A epistemologia dos Segundos Analíticos e seus ecos na Física aristotélica
A obra Física II tem como objetivo delimitar o que tem relação com os princípios da natureza. Isso significa delimitar de que modo a relação entre forma e matéria nos possibilita a compreensão científica dos entes naturais. Aristóteles assume previamente a existência de uma matéria: os quatro elementos – fogo, ar, terra, água e ar –, seus movimentos naturais e seus compostos. Deve-se ter claro que o filósofo toma o movimento próprio desses elementos como uma forma de necessidade absoluta. Portanto, é admitido que a Física é, em essência, uma ciência demonstrativa cuja pressuposição é a da existência e da essência de seu objeto.
Entretanto, o Estagirita questiona se, além da necessidade absoluta (responsabilidade da matéria), não há outra necessidade na natureza, a necessidade hipotética – esta envolve os conceitos de forma e de fim. A forma é tida como pressuposto e exige uma matéria com determinadas propriedades. É considerada responsável pela concatenação adequada das séries causais no âmbito da matéria, já que as séries causais não se organizam naturalmente na ordem exigida para gerar fenômenos. Não obstante, faz-se necessário que a forma, enquanto assumida como fundamento anterior, administre as séries causais da matéria.
Para que haja definição dos entes naturais, esta deve enunciar a forma, a matéria e seus movimentos. Aristóteles nota que a definição que vai de acordo com a linguagem ordinária diz sobre a constituição material do ente e das propriedades dessa matéria. Logo, são o ponto de partida da investigação.
Após serem descobertas as causas, pode-se montar um silogismo demonstrativo e neste a definição inicial assume o lugar da conclusão. A função do silogismo é a de desmembrar a unidade da essência natural. A definição deve, pois, enunciar a forma e o fim, a função do ente, a matéria e os movimentos da mesma.
A forma do ente tem a função mais importante devido ao fato de que é a responsável pela matéria. A definição possui a seguinte representação: D = F → [M+pp]. A melhor definição é a que permite que se demonstre, de modo mais completo, as propriedades de um objeto, ou seja, a definição causal, pois é esta que indica a causa primeira (é através desta que o objeto é o que é). Todavia, cabe à física recorrer aos diversos tipos de causa: final, formal, motora e material. E, também, para cada uma das causas da substâncias naturais, o físico deve investigar qual é sua forma, sua matéria e seu fim, pois:
Segundo a concepção ampliada, a física não deve simplesmente pressupor seus princípios e limitar-se a deles deduzir as propriedades de seu objeto, mas deve sobretudo investigar os princípios e as causas, ou seja, determinar quais coisas desempenham a cada vez o papel de causa formal, material, final etc (BERTI, 1998, p. 69-70).
Desse modo, fica claro que o físico deve possuir ciência de todas as quatro causas.
A essência dos entes naturais é considerada como uma parte da alma – a forma – e sua busca é uma importante tarefa da física. Conforme foi exposto por Aristóteles, a essência não pode ser demonstrada, todavia, os termos da definição podem ser reorganizados num silogismo demonstrativo.
Em Segundos Analíticos II, o filósofo grego diz que a racionalidade da física, enquanto ciência, é a racionalidade apodítica. Nesse mesmo tratado é afirmado que o estatuto da ciência é a demonstração de propriedades de determinado objeto partindo de princípios próprios a ele, isto é, “a apreensão de sua existência e a definição de sua essência” (BERTI, 1998, p. 47). Esses dois princípios da física tem fundamento no fenômeno dado imediato da experiência.
A física é a ciência que mostra a essência por meio da sensação. O caminho percorrido por essa ciência, para que o conhecimento dos princípios seja alcançado, se dá através do conhecimento sensível. O princípio do movimento resulta da experiência, das sensações e deve-se buscar qual é a causa, as condições que o tornam possível. Por ser uma ciência demonstrativa, mostra como “sempre” ou como “geralmente” as coisas estão de certo modo. O estatuto epistemológico que lhe é atribuído é a busca pela definição, antes de tudo, do que se refere aos princípios, porque tem por objeto qual é o gênero da substância que possui, em si mesmo, o princípio de movimento e repouso.
Fica evidente, então, a relação existente entre Segundos Analíticos II e Física I-II no que diz da teoria do conhecimento: a primeira obra, ao tratar da apodítica – sua estrutura, uso, método e forma e objeto – classifica a Física como ciência demonstrativa, isto é, apodítica. Assim, trata-se da epistemologia da Física, enquanto tal, em Segundos Analíticos II.
Referências Bibliográficas:
BERTI, E. As Razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1998.
ARISTÓTELES. Física I-II. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.