Olá amigos!
Ontem eu vi um texto no facebook que me chamou bastante a atenção (reproduzo no final). O texto traz a afirmação de um psicanalista não nomeado que afirmaria o seguinte: “A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo”. A partir desta única frase podemos refletir sobre a educação dos filhos. Na verdade, não só sobre o que seria ser uma boa mãe como também um bom pai.
É atribuída a Freud uma frase de que a educação é impossível. É impossível educar alguém. O sentido dessa frase, em um resumo muito bem resumido, é que é impossível educar uma outra pessoa porque ela é uma outra pessoa. Não podemos moldar um caráter como moldamos uma escultura. Se fosse possível, a outra pessoa (o nosso filho ou filha) seria um robô totalmente sem liberdade.
Por outro lado, isso não significa que não se deve educar. É quase como um paradoxo. É impossível educar, mas não é possível não educar. Se assumimos a responsabilidade de ter um filho, vamos estar educando ainda que seja através dos exemplos, dos comportamentos que emitimos.
E se considerarmos a educação no sentido amplo, estaremos educando desde bebê no cuidado necessário para que a pessoa se crie. Por isso a frase do psicanalista diz que a boa mãe é aquela que se torna desnecessária. Torna-se desnecessária não quer dizer ser desnecessária. Ou seja, um bebê, uma criança na primeira e na segunda infância precisa de cuidados. (Juridicamente, até os 16 anos o indivíduo é tido como totalmente incapaz).
Evidente que as histórias individuais são muito distintas umas das outras. Por este motivo devemos falar em função paterna e função materna, pois muitos perdem seus pais biológicos cedo ou são adotados. Como alguém vai acabar assumindo esse papel – por bem ou por mal – devemos falar na posição subjetiva como uma função, dai teremos condições de dizer de uma maneira mais ampla.
Mas voltando à frase, nós poderíamos pensar em dois extremos. A mãe que é má porque não faz o seu dever de cuidar (ausenta-se das suas responsabilidade) e a mãe má que é zelosa e excessiva em seus cuidados. Existe a ideia de que o amor nunca é demais. Emocionalmente falando, pode até ser. Mas se este amor, no comportamento, se transforma em em tratar o filho ou a filha como se fosse um cristal fácil de ser quebrado, estaríamos retirando da criança ou do adolescente um dos aspectos mais importantes para o seu futuro, que é a sua autonomia baseada na liberdade.
Razão pela qual, progressivamente até o momento certo, a mãe torna-se desnecessária. Por exemplo, na faculdade vi muitos casos de pessoas que foram presas a vida toda. Não podiam sair. Não podiam namorar. Não podiam fazer o que estavam com vontade (algo simples como ir ao cinema era proibido). Quando foi dada a liberdade, foi de uma vez e a vivência por períodos tornou-se descontrolada e meio perdida.
Psicologicamente, um dos princípios mais fundamentais da psique é a sua tendência de transformar conteúdos nos seus opostos – o que Jung chamava de enantiodromia. Prisão na infância e adolescência. Liberdade sem direção na faculdade. Porém, felizmente, as pessoas que conheci assim acabaram se encontrando depois de um período de certo descontrole. Talvez piores sejam os casos nos quais a prisão do amor paterno ou materno nunca é vencido. Faz-se o que os pais querem, almejam, sonham mas nunca a própria vontade.
O problema para o lado de quem cria é que é difícil se transformar em alguém desnecessário. Alguns chegam a criar artimanhas, inconscientemente, para manter a dependência dos filhos. Por exemplo, fazendo de tudo para cortar as suas asas, criticando os seus esforços, desencorajando os seus projetos, tolhendo as suas aspirações.
Disse que o difícil é se transformar em alguém desnecessário porque todos nós temos um complexo chamado eu. Ego. Como o pai ou a mãe que pensa ou diz: “depois de tudo o que eu fiz para você, você quer isso?”
Isso pode ser qualquer coisa. Pode ser casar com alguém, fazer uma faculdade com o qual não se concorda, ir morar em outro país ou querer mudar a decoração do quarto. Autonomia é ser dono do próprio nariz. Literalmente, ter o próprio nomos, a própria lei, a própria ordem, as próprias regras. Heteronomia é deixar essa lei, esse poder, essa liberdade para que um outro exerça. Pai, mãe ou quem cria.
Criar um filho ou uma filha para ser dependente é criar um filho sem autonomia. E, para concluir, antes de postar aqui o texto que vi no face, gostaria de dizer que os animais podem nos ensinar muito.
Aqui em casa temos duas basset daschound. A mãe teve 4 filhotinhos. Depois que cansou de dar mamá, demos 3 e ficamos com uma, a Amèlie Poulain. Como a Amèlie foi a única que ficou, vimos como durante um tempo ela ainda tentava mamar na teta de sua mãe. Mas a mãe não deixava (porque os dentinhos já tinham crescido e a machucavam).
Biologicamente, o tempo de crescer os dentes é o tempo que o filhote tem para aprender a andar e a enxergar. Depois disso, a mãe se torna desnecessária…
A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária
A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo. Várias vezes ouvi de um amigo psicanalista essa frase, e ela sempre me soou estranha. Chegou a hora de reprimir de vez o impulso natural materno de querer colocar a cria embaixo da asa, protegida de todos os erros, tristezas e perigos.
Uma batalha hercúlea, confesso. Quando começo a esmorecer na luta para controlar a super-mãe que todas temos dentro de nós, lembro logo da frase, hoje absolutamente clara. Se eu fiz o meu trabalho direito, tenho que me tornar desnecessária. Antes que alguma mãe apressada me acuse de desamor, explico o que significa isso.
Ser “desnecessária” é não deixar que o amor incondicional de mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos, como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros também.
A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão umbilical. A cada nova fase, uma nova perda é um novo ganho, para os dois lados, mãe e filho.
Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse vínculo não pára de se transformar ao longo da vida. Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família e recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, com o peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis.
Pai e mãe – solidários – criam filhos para serem livres. Esse é o maior desafio e a principal missão.
Ao aprendermos a ser “desnecessários”, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar.
“Dê a quem você Ama :
– Asas para voar…
– Raízes para voltar…
– Motivos para ficar… ”
(Dalai Lama)
Muito interessante o teu texto acerca do assunto. Tenho uma filha ainda pequena, de 9 anos, e me permitiu pensar sobre a autonomia que precisa ter para fazer suas escolhas. Abraço
Olá Stela!
Obrigado!
Fico muito feliz que tenha gostado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ótima reflexão, Felipe! Já conhecia o texto que vc encontrou, mas valiosíssimo foi seu entendimento, obrigada!
Olá Sonia!
Obrigado!
O único problema é que não consegui saber quem escreveu… mas tá valendo!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Esse texto foi feito para mim. minha mãe me mimou e fez de tudo para que não pudesse voar desde cedo e por causa disso foi difícil arrumar depois o primeiro emprego, sair sozinho para fazer compras e até mesmo andar de ônibus quando era mais novo. me lembro que aos 16 quis arrumar um emprego e ela me impedia. Já cheguei a fazer um curso por obrigação e entrei no estágio da depressão com o tempo. depois de três meses não aguentei e acabei colocando um ponto final em tudo. acabei me distanciando dela, mas me aproximei muito mais com o mundo. Fui fazendo o que gostava e aprendendo o que enriquecia.
Muitas mães pensam no bem dos filhos, mas as vezes ‘amor’ de mais não faz bem. que nem disse, o melhor é estar ao lado da criança, apoiar ela e aconselhar, mas não deve reprimir seus desejos e sonhos se isso fazer ela se auto conhecer.
—-
Vi que citou a Amèlie Poulain(Cadelinha refinada haha) e me lembrei do filme(Yann Tiersen brilhou nas musicas).
Por aqui no site há uma lista de filmes que falam sobre a psicologia? já vi os filmes de ‘O mundo de Sofia’ e o filme trata sobre a filosofia(o assunto é puro tanto no livro como nos filmes) e me veio essa dúvida. Existe? já viu e recomenda algum da área da psicologia e que não seja documentário?
Valeu por ter escrito tão detalhadamente o texto.
Olá Pablo!
Obrigado por comentar.
Sobre filmes nós temos uma lista que peguei do Making Off e ampliei (o pessoal também ampliou).
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2013/10/psicologia-cinema-215-filmes-para-quem-ama-psicologia.html
Não são específicos totalmente sobre psicologia (teorias, autores), mas tratam de alguma forma o tema da psicologia sim.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Professor gostaria de rever um artigo sobre uma tribo que expressava mais que o canto e a dança(era uma espécie de linguagem própria desse povo). Não estou lembrando o título, me perdoe se não me fizer entender. Procurei esse material e não encontrei.
Forte abraço.
Professor Felipe,
Você é a luz do Sol no horizonte !
Um abraço fraterno
Silvio Oliveira Recife-PE
Olá Silvio!
Obrigado pelo elogio!
:)
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Adorei o texto! Adorei a frase que uma boa é a que se torna desnecessária. Sou psicóloga também, e trabalho com crianças, e agora sou mãe, e o percurso da maternidade é um percurso de desapego fortíssimo. E penso que a cada momento devemos dar o que deve ser dado, enquanto ele não anda e não fala, empresto minhas palavras e meu corpo, mas quando isso não for mais necessário, ele irá utilizar de suas próprias palavras… ser mãe é ser empréstimo, e pra mim, empréstimo que se paga com autonomia e liberdade. e só sabemos se formos boas, a posteriori, e talvez nunca saberemos.
Muito bom seu texto, e sua escrita é tão leve e fluída que o texto vai rápido. Abraços
Obrigado por comentar Raisa!
Eu como pai de uma linda pessoa de quase 15 anos sinto o mesmo!
Cada fase é maravilhosa, tem seus desafios, claro, mas é de muita beleza também!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Marcos,
Infelizmente não consegui me lembrar também de qual texto é esse.
Você poderia tentar explicar melhor como era?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ótimo texto! Me fez lembrar quando a minha filha de 16 anos teve a oportunidade de estudar nos EUA aos cuidados da tia/dinda paterna. Como minha mãe sempre me criou para ela e me ajudou muito cuidando da minha filha para que eu continuasse os estudos e pudesse trabalhar, obvio que se meteu na história e me disse que eu não amava minha filha e era uma péssima mãe porque eu queria mesmo era me livrar da minha filha deixando-a morar em outro país. Claro que me atingiu o que a minha mãe falou, mas mesmo assim eu assinei e liberei a ida da minha filha para os EUA pensando em um futuro melhor para ela e uma oportunidade que nunca tive.
Sofri muito aprendendo ser desnecessária e ainda sinto, mas hoje compreendo que não sou uma péssima mãe e sim uma mãe que criou sua filha para o mundo.
Olá Sabrina!
Obrigado por partilhar conosco a sua história!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Você conseguiu esclarecer um ponto que sempre me pareceu muito nebuloso.
Gosto muito do seu trabalho. Obrigada.
Texto perfeito!
PABLO, vc disse que se distanciou da sua mãe pq não aguentou o jeito dela. Como vc fez isso, o q vc fez? Como foi a reação dela?
Cheguei a este texto através da minha filha, hoje com 26 anos e Psicóloga.
Depois de ter lido, a minha pergunta é? Será que ela me acha uma mãe desnecessária??
Acredito que fui uma mãe desnecessária, as vezes até confundida com falta de amor, como malvada, como bruta…
Com o passar do tempo, você enxerga os bons frutos.
Obrigada pelo texto, refleti bastante.
Abraços
Professor Felipe!
Agradeço demais pelo conteúdo.
A psicologia cumpre um papel muito importante na vida daqueles/as que estão dispostos/as e que tiveram a oportunidade de conhecê-la como ferramenta para a vida!
Obrigada por tornar acessível esse conhecimento, assim nos ajudamos enquanto sociedade.
Abraço.
Fiquei na dúvida, confusa se me torno desnecessária, como posso estar pronta para estar lá firme, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso com o peito aberto… achei contraditório, me ajuda entender isso!?
Desnecessária porque a ideia é que os filhos sejam autônomos, tenham autonomia e independência. Mas isso não significa, claro, que não vao continuar precisando de apoio e suporte dos pais.
Esse texto foi muito bom para que eu possa caitar um momento que estou vivendo. Uma filha que tenho co. 27 e agora está mora do fora de casa. Sinto muita tristeza. Se que está sendo necessário para ela. Pore. Me sinto perdida e com muitas saudades as vezes.