Olá amigos!
Uma querida leitora do site nos sugeriu que escrevesse um texto sobre pessoas que são intensas demais. A intensidade tem, basicamente, dois lados: a percepção pelos outros de uma certa força, brilho, fogo, impulsividade, calor (metáforas bem adequadas) e a percepção que nem sempre é visível para todos, ou seja, a intensidade que é sentida apenas pela própria pessoa.
E, como tudo, esta intensidade tem o seu lado positivo e o seu lado negativo. Falando ainda metaforicamente, podemos dizer que seria como o fogo: ele pode aquecer ou ser contido de uma maneira útil como em um motor à combustão ou pode queimar descontroladamente e causar destruição.
Outra forma muito comum de nos referirmos a uma pessoa intensa é dizer que ela tem gênio forte. Estes dias, a página de comédia Sensacionalista, postou uma notícia (falsa) de que o Senado havia aprovado uma lei que estava proibido pessoas malas de dizerem que tinham gênio forte. E é nesse sentido e em outros que a intensidade viria a ser negativa para os outros.
O conceito de energia psíquica
Até agora, falamos metaforicamente sobre a intensidade psíquica. As metáforas – entende-se, e grosso modo, uma metáfora como uma imagem semelhante ao que queremos nos referir – são úteis, mas não são conceitos psicológicos.
C. G. Jung, o criador da Psicologia Analítica elaborou o conceito de energia psíquica, para substituir o conceito de libido freudiano.
Não entrarei aqui nas minúcias do seu livro A Energia Psíquica. Um exemplo simples poderá nos fazer entender o que ele quer dizer com energia psíquica e poderemos seguir em frente.
Imagine a energia psíquica de uma pessoa como a bateria de um celular. Você carrega e pela manhã tem 100% de energia. Esta energia poderá ser utilizada em diversos aplicativos. Um tanto bom (50%) para músicas, um outro tanto para redes sociais (27%), um outro para emails (10%), um pouco para jogos (8%), até que aparece no visor que temos 5% só de energia. E, por fim, gastamos esses 5% deixando em stand-by para depois, pela madrugada, recarregarmos toda a carga.
Psicologicamente, o processo é semelhante. Pela manhã, temos 100% de energia. Utilizamos uma boa parte para nos mantermos vivos (alimentação, higiene, deslocamento), digamos, 50% e o restante utilizamos conforme a necessidade daquele dia em especial. Se estamos apaixonados e distantes da pessoa amada, poderemos ficar na cama e gastar todos os outros 50% pensando, imaginando, sonhando acordado e lembrando de como foi e de como poderá ser o futuro da relação.
Se temos que estudar, poderemos utilizar a energia para a atenção, concentração, pensamento lógico (25%) e o restante para diversão (ver um filme, uma série), etc.
O ponto importante para entendermos a teoria do Jung sobre a energia psíquica é que devemos falar sempre em um quantum, em uma quantidade de energia. Evidentemente, não conseguimos mensurar esta quantidade – os valores acima são suposições baseadas no tempo e no interesse.
Outro ponto fundamental é que esta quantidade total de energia é investida em certas atividades, de acordo com a fase da vida. Como vimos, alguém apaixonado gasta toda a sua energia pensando no objeto amado, uma pessoa que tem que estudar para o Enem gasta boa parte da sua energia estudando e assim por diante.
E, um detalhe para complicar um pouco mais, é sobre a relação entre a consciência e o inconsciente. Em certos momentos, uma parte da energia (do interesse) não está à disposição da consciência. É como se uma determinada quantidade de energia desaparecesse. Neste caso, certamente devemos procurá-la no inconsciente, em sonhos, fantasias, sintomas ou, talvez, no seu ressurgimento em um interesse novo e inesperado.
Por exemplo, com o término do relacionamento, o sujeito apaixonado não tem mais como investir toda aquela intensidade psíquica (50%) no relacionamento. Uma parte dessa quantidade de energia “vai para o inconsciente” e, então, a pessoa se sente sem forças para lugar, triste, sem ânimo (sem energia para animar). Esse processo às vezes é rápido e às vezes dura meses. Porém, com o tempo a energia volta a ser investida em um outro objeto de interesse, um novo amor, um novo trabalho, um novo esporte ou o que seja.
Tipos de intensidade
O que expliquei acima sobre a energia psíquica é válido para todas as pessoas. Mas como explicar a diferença entre elas? Como pode uma pessoa ser extremamente estável e previsível e outra totalmente instável e imprevisível? Como pode alguém ser fria e distante e outra calorosa?
Bem, neste caso, devemos falar em tipos psicológicos. No famoso livro de Jung, Tipos Psicológicos (que estudamos em detalhes no nosso Curso Online em vídeo, veja aqui), na primeira parte Jung pensa em dois tipos:
O tipo introvertido – pensamento
O tipo extrovertido – sentimento
Depois, ele acaba separando e introduzindo dois novos tipos. Ele separa a atitude (introvertida e extrovertida) e, estabelece, portanto, 4 tipos de funções: pensamento, sentimento, intuição e sensação. No final, são 8 tipos básicos no que tange apenas à função principal, a mais utilizada:
1) Pensamento introvertido
2) Pensamento extrovertido
3) Sentimento introvertido
4) Sentimento extrovertido
5) Intuição introvertida
6) Intuição extrovertida
7) Sensação introvertida
8) Sensação extrovertida
Como disse, no começo Jung pensava que a extroversão (ser voltado mais para o mundo do que para si) estava ligada ao sentimento (capacidade de fazer juízos de valor, saber o que é bom, mal, bem, mau, belo, feio, negativo, positivo…), enquanto que a introversão (ser mais voltado para si do que para o mundo) estaria ligada à função pensamento (capacidade de fazer juízos lógicos, definições de conceito…).
Este equívoco inicial é interessante porque nos mostra que, para ele, uma pessoa pensamento, racional, seria mais voltada para si mesmo, para o seu mundo mental, do que para as coisas e as outras pessoas.
Uma pessoa racional – um físico, um matemático, um filósofo, um psicólogo pesquisador, por exemplo – seriam pessoas que não seriam intensas no sentido de voltarem a sua atenção e o seu interesse para o mundo que os circunda. Pois toda a sua intensidade estaria voltada para dentro.
Enquanto isso, uma pessoa sentimento teria toda a sua vida psíquica voltada para fora, para o contato com os outros e todos os objetos do mundo. A sua intensidade, assim, seria mais facilmente visível.
Embora esta assimilação entre pensamento como introversão e sentimento como extroversão tenha sido modificada na segunda parte dos Tipos Psicológicos, ela nos dá uma direção. As pessoas são intensas, mas de modo muito diferentes.
Um místico que fica 90% do seu tempo fazendo meditação, um esportista que fica 90% do seu tempo fazendo musculação, um biólogo que fica 90% do seu tempo catalogando espécies são pessoas intensas, cada qual em sua área e cada qual com seu interesse.
Um exemplo que penso ser preciso sobre esta questão é Van Gogh. Durante um período de sua vida, ele queria ser um pastor. Estudou ardentemente para sê-lo. Para o azar do seu desejo, ele não foi aprovado. Toda a sua intensidade até ali, que era direcionado para a vida religiosa, foi destruído. Depois de um tempo perdido (energia no inconsciente), ele volta o seu interesse para a pintura e criar uma obra tão original que dá origem ao movimento expressionista.
Ou seja, a energia é investida em uma área (religião, depois pintura) e pode ser deslocada de uma para outra tranquilamente, embora o processo de transformação não raro aconteça de ser tumultuado.
A intensidade psíquica
Mas tudo o que disse ainda não explica completamente as pessoas que são muito intensas. Quer dizer, devemos passar a entender que são representantes de um tipo psicológico. Contudo, o tipo classifica e ordena, e deixa de fora a explicação das causas.
O que difere e fez diferir uma pessoa como Elis Regina? Leila Diniz? Clarice Lispector? Maysa? E outros dos demais?
No texto – dificuldades de adaptação social – mencionamos as relações entre o indivíduo e a sociedade. Existem pessoas que são adaptadas e são originais, por exemplo, Bill Gates. E existem pessoas que não conseguem ou querem se adaptar e se rebelam e são originais, como Rimbaud ou Kurt Cobain.
Na psiquiatria, há um longo debate sobre as causas de uma doença mental. Em suma, falamos de 2 tipos de causa:
– Genética
– Ambiental (alimentação, sono, circunstâncias de vida).
Será que estes dois tipos de causa explicariam as diferenças na intensidade psíquica de alguém? Talvez, embora uma resposta definitiva e certa fique em aberto.
Por exemplo, um grande gênio na arte pode apresentar um tipo de genética que o conduza ao uso e abuso das drogas. Mas este uso e abuso também é ambiental – convívio com certas pessoas, oportunidades de acesso, contestação social, autodestruição. É claro que a genialidade não está condicionada à utilização de substâncias químicas, porém, este desequilíbrio está presente na vida de alguns, ainda.
Gosto de pensar que a causa da intensidade psíquica está na própria psique. Em outras palavras, a psique, o que anima um corpo, é a própria causa de si. Como está em desenvolvimento, pode vir a conseguir realizar o que tem de realizar, ou não.
E, para finalizar, uma outra metáfora é útil. A psique seria como uma semente. Uma semente possui em si, desde o início, o modelo de como será no futuro. Um adulto intenso provavelmente foi uma criança intensa. Mas no processo de desenvolvimento entre a criança e o adulto talvez tenha crescido de maneira adequada como uma planta pode e deve crescer (com sol, chuva, adubo) ou talvez tenha crescido em um meio conturbado e difícil.
Nesse sentido, penso que a intensidade está desde sempre ali, na semente. O modo como esta intensidade será vivenciada, entretanto, dependerá das condições e do direcionamento dado.
Para concluir, uma frase maravilhosa de Fernando Pessoa:
“A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio”.
Caro Doutor Felipe!
Nunca é demais agradecê-lo pelo privilégio de poder ler seus doutos textos. Aprendo muito! Gostaria , se possível, que escrevesse a respeito de um ponto que me intriga: Médiuns, não raro, com nível fundamental de escolaridade, discorrem sobre temas científicos de forma cabal. Divaldo Franco, por exemplo, discursa para doutores numa matéria e conta com a anuência dos mestres e doutores naquilo que foi discursado. Isto se dá numa universidade no Brasil ou fora dele. Ouvi-lo é um deleite! Já o vi abordar temas de psicologia onde ele aborda o assunto da antiguidade aos dias atuais. Acho fantástico para quem tem apenas o curso primário incompleto. Indiscutível a inteligência dele. Mas, ainda que seja um leitor voraz, fico impressionado! Outra curiosidade: as filhas de santo. Geralmente, não discursam. Mas, dizendo-se “incorporadas”, mudam a fala, o comportamento, falam noutra língua. Ainda outra curiosidade: Castro Alves morreu muito novo. Legou-nos uma obra profunda, admirável! Cronologicamente, não “houve tempo” para ele assimilar tanto conhecimento. Assim como ele, outros poetas românticos. Deixando a religião de lado, não sou espírita, nem do candomblé. Gostaria de saber à luz da Psicologia como explicar tais fenômenos?
Atenciosamente,
Luís Monteiro.
Cada leitura um aprendizado!
Pra mim essa questão de intensidade estava vinculada ao temperamento. Pessoas com essa característica muitas vezes são críticas demais e vivem sempre num extremo! Tudo é muito forte e parece não ter equilíbrio.
Obrigado Luís!
Esse é um tema bastante interessante. Não temos nenhum texto aqui no psicologiamsn mas eu fiz um Curso Completo sobre o livro Estudos Psiquiátricos de Jung, no qual ele analisa o comportamento de uma médium – http://www.cursojung.com
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Raquel!
Bom você ter mencionado. Eu ia escrever sobre os temperamentos. Temperamento é, de certa forma, uma outra palavra para tipo psicológico (ou psicossomático). Vem desde a época de Hipócrates. Embora tenha sido abandonado na medicina com a medicina moderna – com Paracelso – ela teve certamente influencia na tipologia de Jung (são 4 temperamentos para Hipócrates e 4 funções para Jung).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
adorei mesmo esse site, ainda tenho 17 anos, mas desde de criança tenho esse grande sonha de me tornar uma grande psicóloga, e através desse site me interessei mais ainda, enfim, adorei !
Olá Ingrid!
Fico muito feliz que tenha gostado!
Sucesso nos seus estudos!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Estou acompanhando com frequência seus textos e estou gostando muito, principalmente pela forma simples que expõe todas as idéias, nunca fiz um comentário,mas hoje fiquei com vontade, muito bom. Obrigada
Olá Maria!
Obrigado!
Fico muito feliz com o seu primeiro comentário!
:)
Será sempre um prazer contar com sua participação por aqui!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Professor Felipe de Souza, sou aluna do 4º semestre de Psicologia e gostaria que você escrevesse sofre ninfomania, se possível, acho um assunto muito sério e pouco comentado (ao meu ver), obrigada.
Olá Ingrid!
Obrigado pela sugestão!
Em breve escreveremos sobre o tema!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Boa tarde!
Todos os dias leio seus textos. Gosto muito. Me traz mais tranquilidade
… Li um vez um texto seu que dizia sobre dependência emocional. Sou assim. Tenho dependência emocional. E isso faz com que tudo dê errado. Gostaria que falasse mais sobre o assunto. Um grande beijo. Continue escrevendo, seus textos são excelentes e causa uma boa sensação aos leitores.
Olá Neinha!
Obrigado!
Fico feliz que esteja gostando!
Vamos continuar escrevendo sim!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Só não digo que és um profissional e intelecto completo pois estamos sempre em construção!! Mas já li alguns de seus textos e viajo a fundo no universo psicológico que você explora!! Lhe adimiro como profissional e pessoal e deixo meu depoimento que me ajudaste a escolher o curso que sigo hoje, estou apenas no seg período, mas quero muito fazer dar certo essa etapa da minha vida e realmente se ultil como humana e profissional da psicologia que pretendo me tornar. Obrigada pela atenção!! E por compartilhar seu saber conosco!!
Obrigado!
Gostei muito do artigo, excelente.