Conheça a técnica da imaginação ativa, utilizada na terapia da Psicologia Analítica de C. G. Jung.
Olá amigos!
C. G. Jung foi o criador da Psicologia Analítica. Formado em medicina e especializado em psiquiatria, ele inicialmente teve uma carreira ligada a Estudos Experimentais e, seguida, adentrou no recém criado movimento psicanalítico, chegando a ser o 1° Presidente da Associação Psicanalítica Internacional.
Por divergências teóricas e pessoais com Freud (que era uma geração mais velho e o considerou em certo momento que Jung seria “o príncipe herdeiro”), Jung sai da psicanálise e cria a sua própria abordagem de psicologia.
Em 1916, ele cria uma técnica que viria a substituir – ou complementar – a técnica freudiana da associação livre. A sua nova técnica é chamada de Imaginação Ativa. Como muitos poucos conhecem a técnica e como mesmo os estudiosos acabam não estudando o seu último livro Mysterium Coniuncitionis, penso que será interessante compartilhar alguns trechos para podermos conhecer melhor o que Jung realmente disse.
Este último trabalho de Jung é sobre a Psicologia e a Alquimia. (Jung começou a estudar a alquimia pois encontrou no simbolismo alquímico visões e imaginações sobre o processo de individuação de cada alquimista, ou seja, o seu processo de desenvolvimento psíquico era expresso através dos textos e das imagens de suas produções).
Jung e a Meditação
“Meditação e contemplação em geral tem má fama no Ocidente. São tidas como formas especialmente repreensíveis de ociosidade ou como forma doentia de espelhar-se a si próprio. Não se tem nenhum tempo para o autoconhecimento, e também não se acredita que ele possa servir a qualquer finalidade sensata. Também absolutamente não vale a pena, como já se sabe antemão, conhecer-se a si próprio, pois na verdade se acha que é fácil saber quem é que somos. Acredita-se exclusivamente na ação, e não se pergunta pelo sujeito da ação. Este último apenas será julgado após certos êxitos avaliados coletivamente. Que existe uma psique inconsciente, disso sabe o público em geral mais que as autoridades, mas, contudo, ainda não foram tiradas as conclusões do fato que o homem ocidental é para si próprio um estranho, e que o autoconhecimento é uma das artes mais difíceis e mais exigentes” (JUNG, Mysterium Coniunctionis II, p. 253).
Bem, e nesse sentido temos que nos perguntar que tipo de “meditação” Jung recomendava. Afinal, existe toda uma imensa tradição oriental sobre a qual podemos nos debruçar para estudar a meditação. Além disso, também encontramos técnicas meditativas na história da Igreja, embora em menor escala.
A técnica que Jung recomendava em seus tratamentos psicoterapêuticas é chamada de Imaginação Ativa.
No Mysterium Coniunctionis, ele diz:
(…) imaginação ativa. Esta última representa por assim dizer um método usado espontaneamente pela própria natureza ou ensinado ao paciente pela instrução do médico. Por via de regra surge ela e é indicada, quando o processo de “dissolução” (análise!) tiver constelado os opostos em tal medida que a união ou composição (síntese!) da personalidade se tornar necessidade imperiosa.
Tal situação aparece necessariamente quando pela análise dos conteúdos psíquicos, das atitudes, e principalmente dos sonhos, os motivos e as imagens do inconsciente – que são complementares ou respectivamente compensatórios, e com frequência até diretamente opostos tiverem sido mudados para conscientes, e a conscientização atingir tal ponto que o conflito aparentemente insolúvel entre a personalidade consciente e a inconsciente se torne manifesto, e desta forma também crítico (JUNG, 1990, p. 249).
Ele continua:
“escolhe-se adequadamente um sonho ou qualquer outra imagem da fantasia e a pessoa se concentra nisso, simplesmente retendo-o e contemplando-o (…) Por via de regra ela (a imagem) se modifica, adquirindo vida pelo simples fato da observação (…)
A partir dai se desenvolve uma cadeia de imagens da fantasia, que aos poucos toma aspecto dramático, isto é, do simples processo surge a ação. Esta é por ora representada por figuras projetadas, e as imagens são vista como cenas no palco. Em outras palavras, sonha-se com os olhos abertos (…)
Essa confrontação com “o outro” em nós é compensadora, pois deste modo ficamos conhecendo aspectos de nosso ser, que não permitiríamos que outros nos mostrassem e jamais admitiríamos perante nós mesmos. Não é apenas útil, mas importante e inteiramente oportuno fixar por escrito o processo todo no momento em que ele se origina, pois cada um precisará de provas escritas para em caso dado ter com que opor-se eficientemente à tendência sempre pronta para iludir-se a si próprio. (JUNG, 1990, p. 251).
É deste modo que tem lugar a imaginação ativa como um diálogo interno com as imagens do inconsciente, semelhante a um sonho, a um sonho que acontece enquanto estamos acordados, pois assim como em um sonho dialogamos e entramos em contato com “partes” de nós mesmos, na imaginação ativa nós nos aproximamos de conteúdos e representações que tendemos a deixar de fora de nosso horizonte de perspectiva consciente.
Também é fácil de ver que a imaginação ativa se aproxima do arte-terapia. No texto que inaugura a técnica (chamado “A função transcendente”) e que encontramos no volume 8, parte 2, de suas Obras Completas, A Natureza da Psique, Jung menciona que podemos realizar a imaginação ativa escrevendo como se estivéssemos escrevendo uma carta, ou como se estivéssemos escrevendo um diálogo de uma cena de teatro ou o roteiro de um filme.
Um exemplo de Imaginação Ativa
Um exemplo deixará a técnica mais clara. No Livro Vermelho – que é a própria imaginação ativa de Jung – ele entra em contato com um personagem do seu inconsciente que é um caolho, um sujeito de certa forma repulsivo, um vagabundo, um presidiário.
Como em seu dia a dia Jung era casado com a segunda mulher mais rica da Suíça, além de ser médico, ele excluía de sua consciência não só a vivência de ser como um presidiário, mas também como ser um sujeito rechaçado socialmente – “um dos degradados”.
Ao ter a coragem de dialogar com este aspecto de si mesmo que estava excluído de sua consciência, ele pode ampliá-la. Jung depois escreve sobre a experiência de ter contato com este degradado:
“Ele torna a vida fácil e simples. Ele conduz à profundeza, ao fundamento, em que eu vejo a altitude. Sem a profundeza, não tenho altitude” (JUNG, 2013, p. 212).
Conclusão
De certa forma, podemos entender que o que acontece na imaginação ativa acontece nos sonhos e nos devaneios (quando a nossa mente flui em uma fantasia quando sonhamos acordados). Entretanto, a diferença é que a técnica da imaginação ativa – recomenda-se com o auxílio de um psicólogo da abordagem da psicologia analítica – torna mais consciente o processo.
Podemos compreender que o processo acontece e continuará acontecendo no fundo da nossa consciência, no que nomeamos como inconsciente, o desconhecido em nós. Por isso Jung podia dizer: “O que não enfrentamos em nós mesmos acabaremos encontrando como destino”.
Esta frase deve ser entendida no sentido de que quando nós não sabemos o que estas “partes de nós” querem, nós ficamos como joguetes de suas vontades e atribuímos a nossa sorte ao destino.
A maioria das pessoas prefere assim, prefere atribuir a culpa aos outros ou aos astros… e afinal, temos que concordar com Jung quando ele fala que as pessoas não tem tempo para o autoconhecimento e que o autoconhecimento é uma das artes mais raras e difíceis.
Dr. Gostaria que se possível publicasse um artigo específico de controle da ansiedade compulsiva alimentar. Suas publicações são fantásticas, nos seguidores podemos nos orgulhar. Show! Show! Show!
Muito obrigada!!!
Muito bom. E o melhor, você escreve para qualquer pessoa entender. Achei interessante o que você argumentou sobre a imaginação. Continuo aprendendo e acompanhando o seu blog […] “Essa confrontação com “o outro” em nós é compensadora, pois deste modo ficamos conhecendo aspectos de nosso ser, que não permitiríamos que outros nos mostrassem e jamais admitiríamos perante nós mesmos”. Uma boa semana pra você!
Estou amando os textos. Muito proveitoso
Olá Sandra!
Obrigado!
Já anotei aqui na pauta para os novos textos, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Raquel!
Jung não é um autor tão simples de estudar – quanto poderia parecer a princípio – mas em alguns trechos ele é bastante claro sim! rsrs
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Simone!
Ficamos muito felizes que esteja gostando!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá,
Gostaria que escrevesse um artigo sobre “Narcisistas Perversos”, pois andei lendo alguns artigos e gostaria de complementar o assunto, através do teu posicionamento. Sobre o texto, acredito que a imaginação ativa é uma forma de fazer saltar o que está escondido (sabotado) em nosso ser, através de experiências frustrantes ou de autocríticas de nossas atitudes. O autoconhecimento é um caminho difícil e lento. A terapia psicanalítica, às vezes, parece não fazer sentido em tempo real, por isso é desacreditada no Ocidente. Abç
Muitíssimo interessante!
Um dos principais motivos que me conduziram a escolha pela psicologia,é o caminho ao autoconhecimento. Descobrir que não somos tão legais quanto achamos ser, é a abertura de uma janela onde a vista pode ser admirável, assustadora e fascinante.. Uma busca difícil e e assustadora; onde torna-se tentador permanecer na escuridão da ignorância, onde a revelação de outro universo acaba por mudar toda uma visão superficial, mas que nos mantem numa zona limitada, porém confortável.
Estou muito satisfeita com seu trabalho, pois tem sido material de aperfeiçoamento os texto que você escreve. muito obrigada!!
Olá Maria!
Já anotei aqui na pauta para novos textos, ok?
Em breve, falaremos sobre o assunto.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
muito verdadeira a assertiva de quanto dificil e conhecer a si próprio. Seria interessante estender o estudo , uma vez que realmente, tudo que tememos enfrentar , encontramos e julgamos, equivocadamente, como destino.
Claro, que este equivoco, deve-se muito a sociedade, entendida como tal, suas crenças, educação, e por ai vai.
Olá Maria!
É verdade!
Sim sim, em breve escreveremos mais sobre o assunto.
Veja também outros textos sobre autoconhecimento – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/?s=autoconhecimento
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Bom dia Felipe, os textos que você escreve são muitos bons,
de excelente qualidade e compreensão, esse seu projeto de curso grátis online foi uma iniciativa de quem realmente ama a psicologia e o ser humano, Parabéns.
Obrigado Mariangela!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
O que ele diz nessa frase e msm literal, de alguma maneira se n enfrentamos esses aspectos eles parecem na vida. e nos pensamos que e destino. mas. nao ha separacao do qu esta fora. ele tb crio o termo Sincronicidade. ta relacionado com esse fenomeno. De alguma maneira tudo se conecta e as nossas sombras aparecem mais sedo o mais tarde. não existem coiscidecias dizia ele.
Olá colega! Tenho uma questão em relação ao Jung, ele tem importantes contribuições pra ciência psicológica e mesmo assim não se estuda suas teorias na Universidade, pelo menos até onde sei, o que me diz? Grata
Olá Andria,
Basicamente, os alunos não estudam porque os professores quando alunos não estudaram… então é um ciclo vicioso. Mas existem bons teóricos aqui no Brasil sim.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe,
Você poderia incluir a data deste texto? Gostaria de citá-lo num trabalho acadêmico e preciso colocar os dados da publicação.
Muito obrigado
Enjolras
Olá Enjolras,
A data de publicação é 19 de outubro de 2014.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Essa técnica pode ser feita com o auxílio de músicas para facilitar a meditação?
Sim Jhonnatar!
O importante é observar sempre o objetivo da prática meditativa, contemplativa ou de atenção plena.
Obrigado por expor de forma clara uma teoria complexa.
Ao colocar os trechos com paginas e referencias dos livros nos traz enriquecimento e
fidedignidade ao sue texto.